Roberto Lopes Piva (25/09/1937 - 03/07/2010) |
A CORÉIA É NA ESQUINA
Assim não dá meu tesão
eu começo a sonhar com você todas as
tardes
& você lá em Santos
comendo amendoim
vendo anjos nas cebolas do mercado
navios entram & saem do porto
polidos
eu corto as veias & rego meu queijo
de Minas
você me ama eu sei & me envaideço
amoras jorram a beleza anarquista de
suas
coxas molhadas
o peixe-espada pode lhe declarar amor
eu penso nessas ilhas perfumadas
mas o caminho de volta eu só conto
a este urubu em carne viva
que grasna na sacada.
ANTINOUS
(movimento
de árvores)
são questões
terça-feira eu prefiro você bem
louco
minha
palavra & nada que você acredita
poderá
acontecer: ostras olhos injetados Hegel
durma com suas violetas do subúrbio
a
cidade tosse como
um
índio com febre
São Paulo acorda em suas coxas
docemente
banho
quente com vapor
em
espiral flocos de
samambaias
eróticas
assim que você espreguiçar eu estarei
sangrando
GANIMEDES 76
Teu sorriso
olhinhos como margaridas negras
meu amor navegando na tarde
batidas de pêssego refletindo em teus
olhinhos de
fuligem
cabelos ouriçados como um pequeno deus
de um salão
rococó
força de um corpo frágil como ancoras
gostei de você eu também
amanhã então às 7
amanhã às 7
tudo começa agora num ritual lento &
cercados de
gardênias de pano
Teu olhar maluco atravessa os relógios
as fontes a tarde
de São Paulo como um
desejo espetacular tão
dopado de coragem
marfim de teu sorriso nascosto fra
orizzonti perduti
assim te quero: anjo ardente no abraço
da Paisagem
EU DARIA TUDO PRA NÃO FAZER NADA
(para o Gilberto Vasconcelos)
Lulu mandacaru garoto nordestino cabra
da
peste peixeira enterrada no palmito com
mel
do cometa jabá na algibeira querendo ler
poesia
de Gregório de Mattos para por em
prática
sem matar o irmãozinho na esquina Sul do
largo São Bento antes que a Sucuri da
Tristeza
te devore cor de opala sem máscara de
ver
vampiro nos planetas distantes parecido
com
Pound quando criança gentiluomo dos
cactos
coxas acetinadas de sereno posando para
o
microfilme da ternura-unificada no
presépio
onde você é adorado como um novo Nero da
caatinga serviu como lavador de pratos
no
restaurante Giovanni sabendo agora ser
Buda
pela manhã trapezista à tarde &
batedor de
carteiras ao anoitecer.
CHOVIA NA MERDA DO TEU CORAÇÃO
Antenas de TV lambuzadas de veneno / ca-
minhões despencando dos eucaliptos / doze
picadas de sal de anfeta na manhã
embolorada
da alma / você assava pulmão de abutre /
par-
tia pra Pensão Estrada / eu vi a amora
gote-
jante do sol depois do primeiro Purple
Haze /
fazia calor na Cantareira / garotas
apodre-
ciam / guinchos dentro do mato
anunciavam
Alguma Coisa / Hendrix & movimento
sub-
marino / Algas / flores no Cio de Metal
/
Gulash & Cristais / garotos na Rural
Wyllis to-
cando bongô pra lua / olho-laser
estocando mi-
nhas células cervicais / flores canoras
nos cantei-
ros de borrachudos / total motores / eixo
des-
manchado em partículas de poeira
pulveriza-
das em Sonho / Morte do pêssego pródigo /
só nós dois no coração da canção / desenhos
animados em câmara lenta no cartaz do
ôni-
bus / punhais nas sessões Zig-Zags / festa
pagã da troca-troca religião da infância
/ Ho-
tel na plataforma espacial do Largo
Paissan-
du / plantando quiabo nos jardins da
praça
Clóvis / misturando as mídias / Plátanos
via
satélite com folhas de amianto /
Coaxando na
TV programa Antunes Filho em 63 / Ode
Marítima em ritmo de Spansule /Jorge de
Lima no Vulcão-Memória / bombordo do
Bateau Ivre / Kelene Geral congelado na
alquimia / Carnaval de Genghis Khan /
vinho
branco / hora da lasanha com perfume /
Wes-
ley inventando o bicho que quebrou o pesco-
ço / nos quintais tudo bem no Planeta /
vou
por aí no chão de estrelas onde a
borboleta
caga assassinato nuclear / Foi assim o
fim sem
fim do Serafim Ponte Grande? / sem
maiores /
prá lá de Bagdá & da quadra de
basquete / no
azul daquela Serra onde nasceu Iracema
& Os-
wald Spengler / decadência do tango
argen-
tino visto na televisão ocidental / ócio
& tal /
Cobra Norato graças a deus era tarado /
es-
porte do fim do mundo / Cruz Credo como
di-
ria Pedro II / Você ia à deriva no rio
do meu
amor cabeludo / mostrando as coxas na
esta-
ção como um garoto canalha / baganas aos
sóis das constelações / nos meus braços
você
foi deus & puta.
SARDANAPALUS
corre a língua
louca na superfície
da coxa em fogo
sua voz
sua anca trêmula
na montanha
da morte
eu & você vivemos
o relâmpago
o momento de amor
desatina
você delira
em suor & azul
metais explodem
no ar &
caem em cinzas
na folhagem
tudo respira o
prazer do mundo
corpos elétricos
se encaixam
& se amparam
LORD OF FLIES
Momentos antes você não estava aqui com
seus pés de
lã & flechas do mais perfeito
cacique balançando nas
ramagens das ilhas de cascalho seu
espetacular olho
violeta o próprio futuro uma ursa maior
que doze pra-
tos grelhados de amfíbios devastadores
de lágrimas
sorridentes onde minha mão mergulha no
esôfago do
fruto selvagem & te vejo nascer bem
perto do cristal
mais azulado que monumental gaivota
acabando de
botar o ovo da memória quando Ugo
Foscolo escre-
via I Sepolcri & a poesia italiana
recebeu seu tempero
mais terrível bem agora nesta tarefa de
refazer a po-
lítica amorosa através das copulações
astrais onde a
violeta o jasmim a tulipa o narciso são
minhas mãos
em tua cintura enquanto inventas as
ramificações do
beijo que vai eletrificar as cidades os
caramujos santos
como jovens Budas de cinza percorrendo a
pé a IV
Internacional teu cu mais belo que o
morango silvestre
tua garganta que espero um dia apanhar
numa arma-
dilha de esperma no eclipse das avenidas
velozes como
cobras verdes & o legume do céu
desfolha seus tons
de escarola para teus olhos ficarem
profundos & teu
amor não ter fim como as construções
lendárias bichos
falantes de Raymond Lulle a árvore da
sabedoria entre
amante & amigo escorpião apertado no
peito até o
veneno virar canção
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