Hoje é dia
de aniversário do bruxo. Bruxo do Cosme Velho. Aquele sujeito que fazia misérias
com as palavras, uma ironia aqui, um cinismo ali, frases com sabor de tapas de
luva ou socos na boca do estômago. Nem Mohamed Ali foi tão mortal. Imortal.
Talvez esse tenha sido o seu maior pecado venial. 39 membros e um morto
rotativo, como sintetizou o melhor dos Fernandes – que, entre muitos acertos,
recusou dar cores e flores à teoria do medalhão, esse símbolo do carreirismo
pátrio.
Hoje é
dia de aniversário do marido de Carolina, essa quase névoa que alcançou o panteão
das celebridades através d’um soneto do ilustre consorte. Transformar a
ausência em versos exige as bênçãos de Erato – a beleza sempre está acompanhada
da dor, como comprova o conto sobre os braços, metáfora antiga, possivelmente
se referindo a outras partes do corpo, um formigamento estranho a bulir com
sentimentos e regiões pouco recomendáveis aos que não atingiram a maioridade
penal.
Hoje é
dia de aniversário do filho de Francisco José de Assis e Maria Leopoldina Machado da Câmara,
agregados de Dona Maria José de Mendonça Barroso Pereira. Viveram todos em um
tempo difícil para as classes subalternas. Mesmo para quem sabia ler e
escrever, e que contava com as vantagens típicas do conluio casa grande &
senzala, o excesso de melanina não era a melhor carta de recomendação nos
círculos imperiais.
Hoje é
dia de aniversário daquele que foi coroinha. Predileto do Padre Silveira
Sarmento – que a terra lhe seja leve, assim como se imagina ter sido com o
pupilo, no devido tempo. Talvez esteja ai, nessa amizade, a gênese de Bentinho,
esse sujeito que, no início da trama, não sabe se entrega a alma a Deus ou se
mergulha nos mistérios da carne. Poucos possuem a força de vontade de Santo
Antão, aquele que somente sucumbiu à vaidade.
Hoje é
dia de aniversário do funcionário público exemplar. Ministério da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas. Enquanto a ciranda dos governos abalava o Império,
ele se mantinha lá, forte e burocrata. Tinha o coração disposto a aceitar
tudo, não por inclinação à harmonia, senão por tédio à controvérsia. A moldura do Conselheiro Aires também serve
para o seu criador. Mimetismos literários. A salamandra se escondendo entre as
pedras, o crítico literário apontando para o que destoa do mineral.
Hoje é
dia de aniversário do autor de nove romances, peças de teatro, poemas, contos,
crônicas. A sociedade carioca do II Império e do inicio da República. As
transições sociais e políticas. O mundo de ponta-cabeça. A modernidade
arrombando as portas do passado, destruindo ilusões. Literatura como documento –
apesar do olhar oblíquo, que traziam não sei que fluído misterioso e enérgico,
uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos
dias de ressaca.
No dia do
aniversário, a constatação: nunca mais como antes. Nunca mais Nogueira poderá alegar
falta de entendimento nas conversas com senhoras, no meio da noite. Nunca mais
o Alferes Jacobina enfrentará o seu doppelgȁnger. Nunca mais Simão Bacamarte asilará
os loucos de Itaguaí. Nunca mais desentendimentos entre a agulha e a linha. Nunca
mais uma cartomante, a pretexto de ganhar algumas moedas, vaticinará amores
eternos. Nunca mais Marcela abusará da boa fé de um apaixonado e gastará onze
contos de réis em quinze meses. Nunca mais. Nunca mais como antes.
O louvor dos mortos é um modo de orar por eles.
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