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segunda-feira, 9 de novembro de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CLXXIV)

 


Não há motivos para ter ilusões com o imperialismo. O capitalismo, seu irmão gêmeo, também não merece confiança. A eleição de Joseph “Joe” Robinette Biden Júnior e Kamala Devi Harris provavelmente não vai alterar um milímetro no ordenamento geopolítico e econômico do mundo. No entanto, a comemoração se faz necessária.

O valor simbólico dessa troca de personagens em um dos países centrais da contemporaneidade poderá servir de exemplo para corrigir a rota errática que a política adotou nos últimos tempos. Além disso, sugere que existem caminhos que divergem do neofascismo e de todos os sistemas políticos que incitam o ódio.

Respirar ar puro ajuda em qualquer circunstância. Mas, principalmente, permite frear os inimigos da democracia. As mudanças recentes em Argentina, Chile, Bolívia e, agora, Estados Unidos, acenam com possibilidades menos autoritárias, voltadas para a implantação de políticas sociais de inclusão (saúde, habitação, distribuição de renda).

Ninguém pode garantir que esses objetivos serão realizados. A utopia se baseia em hipóteses, possibilidades, teses. No momento da execução (prática) surgem obstáculos, conflitos de interesses, prioridades. O jogo está contaminado por essas sutilezas. Urge contorná-las. E não se deixar abater pelo pragmatismo neoliberal – que quer diminuir as intervenções do Estado e entregar tudo para a iniciativa privada.

No entanto, o sol pode iluminar o horizonte. Com a mudança de comando em Estados Unidos, possivelmente acontecerão algumas alterações na política externa dos países periféricos. As recentes posições adotadas pelo Itamaraty em temas singulares como o aborto, Acordo de Paris, as relações com o Mercosul e com a Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), precisarão ser revistas. E rapidamente, sob o risco de transformar o Brasil em pária internacional. Isso se a situação for passível de reversão (muitos analistas da política internacional acreditam que é tarde demais para corrigir o desastre).

O mesmo acontece com a agenda ambiental, que terá que adotar medidas proativas, isto é, mostrar que está protegendo a floresta amazônica: condenando o desmatamento, reprimindo as queimadas, defendendo as populações indígenas. Também precisará inibir a mineração predatória e, não menos importante, combater o negacionismo climático. Agentes estatais como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) necessitam ter maior mobilidade e poder de ação.

As duas incógnitas mais importantes nessa mudança de cenário são: quais atitudes serão tomadas pelo governo estadunidense em relação à política externa do Brasil e como a chancelaria brasileira reagirá. Se o governo vigente se recusar em mudar o entendimento e insistir nas posições marginais que o caracterizam, então poderá esperar por algum tipo de sanção (principalmente no campo econômico). 

O governo Biden será imperialista – como foram todos os governos estadunidenses. Isso é inquestionável. Em nenhum momento hesitará em tomar medidas extremas contra os seus inimigos. A ideia hollywoodiana de que o mundo está dividido entre mocinhos e bandidos jamais existiu – exceto em filmes, um dos melhores veículos de propagando do american way of life. O que determina a diferença entre isso ou aquilo se restringe na dicotomia "está comigo ou está contra?" Biden provavelmente adotará métodos mais perspicazes que aqueles que foram utilizados pelo governo que será substituído. Antes de lançar algum tipo de ataque militar ou retaliação comercial, o governo estadunidense tentará usar do soft power da diplomacia (que é uma forma "civilizada" de “convencer” aqueles que tentam resistir aos desejos mais fortes do capital). Se esse expediente falhar, então...  

Não é necessário estudar História para entender que alguns acontecimentos se repetem, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa. Simples assim.

Aguardemos os próximos capítulos dessa saga.      


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