O edifício em que moro está situado ao lado de um terreno baldio. Isso significa, entre outras coisas, duas grandes preocupações. Mais cedo ou mais tarde, haverá a inevitável construção de algum prédio, o inferno em forma de barulho incessante. A segunda é mais prosaica: insetos.
Nesses três anos que estou morando aqui, as visitas sempre foram pacificas: formigas, joaninhas, mosquitos, aranhas. A vida se manifestando de diversas formas. Confesso que usei citronela algumas vezes, mas foi mais para manter distância dos animais do que para lhes causar mal. O meu budismo falsificado impede atos sanguinários.
Antes de continuar essa narrativa, quero esclarecer que sou extremamente simpático ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e ao Movimento dos Sem Terra (MST). Acredito que imóveis abandonados e terras improdutivas devem ser ocupadas por aqueles que, por diversos motivos, estão em situação de penúria e vulnerabilidade. Isso significa que estou em lado oposto ao daqueles fazendeiros que contratam pistoleiros para proteger a propriedade privada.
Dito isso, que talvez sirva de salvo-conduto para minhas ações posteriores, dou prosseguimento ao causo. Duas semanas atrás precisei enfrentar uma situação inesperada. O latifúndio em que moro foi invadido por um inseto minúsculo, porém muito incômodo. Talvez, em consonância com a condição de precariedade habitacional que assola parte dos brasileiros, ele considerou ter encontrado um bom refúgio.
Há quem encontre harmonia no som produzido pelos grilos – eu prefiro outro tipo de andamento musical. Como gosto se discute, fui à procura do indivíduo para solicitar que se retirasse, visto que a sua presença não era bem-vinda. Por várias noites, esse mestre da camuflagem se manteve em lugar incerto e não identificado. Fui forçado a fechar a porta da cozinha para tentar abafar o ruído (qualquer semelhança com o conto Casa Tomada, do Cortázar, não será mera coincidência).
Uma noite, ele se distraiu e foi encontrado. Enxotei-o sem piedade. A paciência (que é pouca) não permitiu outro desfecho. Mas, como acredito que os otimistas sempre estão mal informados, não considerei que o assunto estava resolvido.
Dois dias depois a tortura recomeçou. Não sei se era o mesmo ou alguém estranho. Desta vez, o som parecia vir da região embaixo da pia. O fato é que o ortóptero não queria sair do armário. Então, fui procurar uma maneira de resolver o incômodo (ah, os eufemismos!). A internet é a nova Barsa (pela referência pode-se perceber que faz tempo que deixei de ser jovem). Encontrei várias indicações sobre como proceder, inclusive métodos “desumanos”. O mais cruel consiste em colocar melaço em um prato, o animal é atraído pela guloseima e morre afogado. Descartei esse doce barbarismo. Além disso, a minha Assistente para Assuntos de Limpeza Doméstica (AALD) afirmou, convicta, que matar grilos atrai o azar. Talvez ela esteja certa, porque na China esses animais são considerados sinais de sorte.
Enquanto não conseguia decidir que alternativa deveria adotar, aconteceu algo que não sei explicar adequadamente: o Acheta domesticus (não tenho certeza se o inseto era desse modelo) desapareceu. Suspeito (mas sem convicção) que foi o cheiro da cera líquida que a AALD passou no chão do apartamento que mandou o membro da família das gryllodeas procurar novo endereço. Outra hipótese provável está no falecimento (causas naturais?) do inseto.
De qualquer forma, o problema
desapareceu – por enquanto.
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