Gosto mais da família dos felidae do que da dos alligatoridae. Mas isso não vai impedir (sobre a nudez forte da verdade e o manto diáfano da fantasia) o início da minha transformação, na próxima semana, em jacaré (crocodilo, alligator, caimão, lacoste, sei lá quais outros nomes esse animal pouco simpático possa ter).
Se isso acontecer, mandarei selfies para amigos e inimigos – todos precisam saber que fui vacinado e que, por enquanto, para alegria e tristeza do distinto público, vivo tranquilamente todas as horas do fim, como diria Torquato Neto, se estivesse por aqui, a contemplar essa paisagem em ruínas que chamam de Brasil.
Chances existem dessa metamorfose ambulante não acontecer. Pelo menos, duas estão na ordem do dia, para desespero dos gigolôs da estatística – aqueles que cravaram 100% de possibilidades para que a festa dos répteis (sem aglomeração, óbvio) seja um retumbante sucesso nas margens de rios, lagoas, igarapés e parques aquáticos.
Talvez faltem vacinas, a escassez impera e destempera as esperanças de quem morre de medo da indesejada das gentes. Nesse caso, enviarei à ansiedade algum anestésico, direi te acalma, minha loucura, por exemplo. Vida louca, louca vida, nesse momento de frustração o melhor a fazer é colecionar mais um soneto, outro retrato em branco e preto a maltratar meu coração, mero recurso de quem, passarinhando, furtou alguns textos de várias antologias amareladas pelo tempo (poeta frustrado, considero que esses versos manchados de lágrimas, rosas secas e tristes recordações são meus, posto que sou trezentos, sou trezentos e cinquenta, e vivo a brincar de heterônimos e simulacros).
Outro inconveniente está no meu histórico ginecológico, perdão pelo trocadilho imaturo, genealógico. Infelizmente minha família (desde a geração ancestral, aquela que povoou esse pedaço de terra que tomamos dos indígenas) é imune às modificações animalescas – muitas vezes o que fazemos de melhor é o contrário, ou seja, antropomorfizar o que deveria continuar sendo bicho e/ou objeto. Então, cabe entender que a ação mimética desconsidera a aritmética, duas doses de vacina talvez não produzam um descendente dos dinossauros. E isso me deixará desolado. Isolado? Ensolarado? Encantado? (é melhor parar por aqui, antes de esgotar as palavras que rimam e não são uma solução).
Descontando esses pequenos inconvenientes, sonho acordado com a vacina. Meu braço não tem preferência por fabricante ou anunciante. Não é hora de brigar por espaços competitivos ou reserva de mercado. Quero aquela que o Sistema Único de Saúde (SUS) entender que é a parte que me cabe nesse latifúndio (quer dizer, roça de subsistência, que o preço do feijão não cabe no poema, o preço do arroz não cabe no poema, não cabem no poema o gás, a luz, o telefone, a sonegação do leite, da carne, do açúcar, do pão).
Enfim, Serafim, será o fim do tempo de
espera para sair à rua, deixar de lado essa brincadeira que é protestar contra
os absurdos do governo nas redes sociais, eu quero é abraçar a vida, ir ao
cinema, tomar sorvete no meio da rua, voltar a frequentar bares e restaurantes,
conhecer outras cidades e vilarejos e, quizás quizás quizás, pensar (mas não muito) no
amor.
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