Confesso: nunca fui fã do Eça de Queirós. Tenho algumas restrições com os escritores do período de transição entre o romantismo e o realismo. Questiúnculas perfunctórias. Em compensação, cultivo estima por Alves & Cia, sátira de grande potencial destrutivo da moral burguesa. Mas não é desse texto que quero me ocupar. Vi, em lugar incerto, uma referência a uma narrativa quase desconhecida, Um Dia de Chuva. Não me lembrava de tê-la lido algures. Concluí que se tratava de outra lacuna na minha formação literária.
Como compete aos curiosos, fui à estante verificar esse desacerto. Texto pequeno, menos de 20 páginas. Venci resistências e fiz a leitura. Aos poucos, os olhos seguindo o encadeamento das frases da narrativa, fui antecipando os detalhes de uma história que, em outra oportunidade, devo ter ignorado em sua relevância. É isso, foi reencontro.
A banalidade do tédio. Deve ter sido essa a minha impressão na primeira leitura. Existem centenas de contos sobre o tema, alguns insuportavelmente aborrecidos. Devo ter fechado o livro e ido fazer outras coisas, a vida possui demandas mais urgentes, quem é que quer se deter em lamúrias de um nouveau riche português?
O tempo muda, assim como os costumes. Na segunda leitura, o conto se renova na chave de leitura. José Ernesto quer comprar uma quinta na Freguesia de Loures. Hospedado no casarão, é impedido de conhecer as benfeitorias da propriedade porque está a chover com intensidade. Paira no ar a ameaça do aguaceiro se transformar em dilúvio. E isso resulta no isolamento em um lugar que não possui possibilidades de diversão.
Outras duas pessoas se fazem presentes na ópera-bufa: Brás, o caseiro, e o Padre Ribeiro. O último, encarregado de mostrar o local ao negociante, era tremendamente maçador. O primeiro não passa de figurante, com direito a umas duas ou três falas antes de desaparecer de cena.
E é isso. Só isso. Quer dizer,... há entrelinhas. Uma vaga análise sobre os modos de vida urbano (agitado, repleto de opções) e rural (tranquilo, sem grandes novidades). José Ernesto, no início, não se adapta a esse contraste. Quer romper a inércia e voltar para a cidade (... uma saudade pungente da sua casa de Lisboa, do ruído das tipoias, dos vizinhos, das ruas que o levavam, seguras e secas, ao Clube, aos amigos, à Avenida). A chuva impede qualquer movimento e alimenta a tristeza. Falta gente, livros, baralhos e cigarros. É o tabaco e o medo de adoecer naquele lugar que o fazem se aproximar do Padre Ribeiro e aguentar a conversa cheia de detalhes e filigranas (E foi uma história medonha, que ele desenrolou devagar, com datas, com nomes, com detalhes, pousado à borda da cadeira, imóvel, com as mãos cabeludas nos joelhos, os imensos óculos cravados no hóspede).
Em algum momento, acontece o fim do temporal.
José Ernesto, mais aliviado em relação à situação, resolve visitar o dono da quinta. Encontra, por assim dizer, o desfecho para as suas angústias. Mas, quem quiser saber o que aconteceu que vá ler o conto, que aqui não é
lugar para o esgrimir das banalidades amorosas. O que importa, neste momento, é a
possibilidade de estabelecer uma ligação metafórica entre o isolamento forçado
de José Ernesto e os tempos sombrios que estamos vivendo. Não sei se haverá um
dia de sol no horizonte – depois que todos estiverem imunizados –, o que sei é
que a tempestade está nos deixando próximos do desespero.
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