Frequentar vernissages e lançamento de livros era um dos esportes mais interessantes da vida cultural noturna. Era. A pandemia mudou essa forma de interação social, transportando os encontros para o mundo virtual. As lives e a ausência de materialidade dos streamings (um novo não-lugar) eliminaram ruídos e espaços para desavenças (a acomodação é uma espécie de câncer cultural). O contato humano (pele que transmite calor para outra pele) desapareceu e foi substituído pela atuação teatral diante da câmera. Todos se comportam como se estivessem em casa de chá. Tudo ficou anêmico.
As reuniões presenciais eram boas desculpas para ampliar o convívio social, praticar a trambicagem artística, estabelecer parcerias comerciais, fingir interesse pelas questões educativas e, se os deuses permitissem, iniciar algum contato amoroso (mesmo que fosse apenas por uma noite). Enquanto esses planos (modelo Dick Vigarista) eram colocados à disposição do distinto público, cabia se servir de bebidas alcoólicas e salgadinhos diversos. A qualidade dos quitutes (queijos e embutidos, todos de procedência duvidosa) dependia do poder aquisitivo do artista ou dos patrocinadores do evento. O mesmo vale para o vinho que oscilava entre um chardonnay australiano e aquele tinto de garrafão, comprado no atacadista da esquina. No segundo caso (muitas vezes no primeiro), alguns convidados e penetras (mais aquinhoados pela vida econômica) costumavam levar aquelas garrafinhas de metal, escondidas no bolso interno do paletó, cheias de uísque ou conhaque de boa procedência – medida paliativa para evitar problemas hepáticos no dia seguinte.
Por pior que fosse o sortimento de acepipes, cabia forrar o estômago com euforia – a jornada era longa e as tentações, inúmeras. Depois do evento, a inevitável parada no boteco de preferência era de lei. Aditivados por incontáveis canecas de cerveja estupidamente gelada, ninguém poupava ninguém e os comentários politicamente incorretos não sofriam censura. Nada muito maldoso, apenas o necessário para firmar posição contra os medíocres. E isso incluía, em 99% dos casos, o artista e grande parte da lista de convidados.
Recentemente, tomando todos os cuidados necessários (máscara, álcool em gel, distanciamento social) fui ao lançamento de um livro. Foi bom – porque estava com saudades de ver gente com quem se tem um mínimo de afinidade. Foi uma decepção – porque além de não oferecerem algum tipo de petisco, serviram água mineral (sem gás!). Parecia reunião dos Alcoólicos Anônimos (AA). Como é possível desenvolver a conversa sem poder “molhar a palavra” (como dizia um amigo)? Como é possível se livrar de um chato sem a boa e velha desculpa de pegar um pastelzinho na bandeja que adeja nas mãos do garçom?
Encontrei uma cadeira no fundo da sala, próxima da janela, e lá fiquei fazendo pose de voyeur, triste compensação para quem não podia dispor, naquele momento, da sempre bem-vinda tonturinha alcoólica. Esporadicamente trocava algum comentário com os conhecidos. Mas, o ambiente não apresentava intensidade ou estímulo para diálogos mais significativos.
O que eu queria, naquele momento, era sair dali o mais rápido possível e ir para casa: a cerveja estocada na geladeira estava me chamando. Foi o que fiz – logo depois de conseguir o autógrafo do autor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário