Entre dezembro e janeiro, as redes sociais, as revistas e os jornais publicam centenas de listas. As mais concorridas são aquelas que relacionam “os melhores do ano”: filmes, livros, músicas, shows e eventos diversos. Ao ser citado em algumas dessas listas o item recebe uma espécie de selo de qualidade e, consequentemente, aumenta o seu valor de mercado (leia-se: maior procura significa ampliar o volume de vendas).
No caso da literatura, que é o campo de observação de meu interesse, as listas surgem como um indicativo ou um parâmetro para o público leitor que, por diversas razões, não acompanha o movimento literário e quer, em algum momento, comprar (para ler ou presentear) um livro “bom”.
Independente do que significa o adjetivo “bom”, entre a intenção e a prática existem muitos interesses que se escondem pelo meio do caminho. Determinadas listas estão contaminadas por elementos estranhos ao prazer de ler. Além do gosto pessoal daquele que formula a lista, há o estímulo das editoras (que compram espaços de divulgação ou distribuem exemplares para a mídia e os influenciadores). Também existem os prêmios. Ganhar o Jabuti, o Oceanos ou o São Paulo faz com que o escritor receba o status de campeão de vendas e passe a integrar quase todas as listas que possuem “credibilidade” (seja lá o que isso for). Os autores, editores, tradutores, diagramadores, ilustradores e demais trabalhadores gráficos agradecem o reconhecimento (que nem sempre surge na hora certa, mas... antes tarde do que nunca).
É possível confiar nas listas formuladas pelos “colaboradores” das editoras? Existe algum booktuber, bookstagram e booktwitter que realmente leia os livros que cita? Entre um best-seller internacional e um romance nacional desconhecido, quem receberá o elogio? Quais livros podem integrar a lista dos dez mais? Quem dará visibilidade para as editoras pequenas, que não dispõem de verbas milionárias para publicidade e que não fazem parcerias com os “divulgadores de conteúdo literário”? Quem assinou o atestado de óbito da crítica literária?
São muitas as questões que a indústria cultural não quer responder e, se possível, jamais o fará. Isso desmontaria uma engrenagem perversa que, em certa medida, beneficia alguns setores e submete os outros aos “acidentes de percurso”. Isto é, obter alguma notoriedade em situação inesperada ou não prevista. Mas, como esses episódios são raros, ninguém se importa muito com o acaso.
Embora alguns ingênuos acreditem em neutralidade ou em isenção, o que precisa ser destacado é que cada lista implica em uma série de consequências e que cada uma delas faz parte do processo de mercantilização dos livros. Assim como as latas de massa de tomate, os livros são objetos que existem em função da compra e venda – e desta forma, sem escrúpulos ou compaixão, são tratados por aqueles que abastecem o mercado de transmissão do conhecimento.
Ao homogeneizar um padrão, um gosto, elimina-se a diversidade. O campo de ação fica reduzido aos itens que compõem a lista. E isso, entre outras implicações, significa uma derrota para os novos (e os velhos) autores, para as editoras menores e, principalmente, para o público leitor.
Diante da Esfinge é necessário escolher: decifrar ou ser devorado!
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