Todos possuem um (ou vários) ponto(s) fraco(s). Um dos meus é pão feito em casa. Outro é a inveja. Inveja de quem sabe fazer pão em casa. E se, por esse pecado, me couber condenação em um dos nove círculos do inferno, conforme previsto na Divina Comédia (Dante Alighieri), aceitarei minha punição sem reclamar, desde que possa comer pão feito em casa.
Nas redes sociais, há centenas de postagens de roupas de grife, relógios folheados a ouro ou automóveis que custam vários milhões de dólares. Nunca reclamei disso. Posso viver sem esses brinquedos. Tenho como meta outras questões. O que me perturba e causa uma espécie de curto-circuito emocional são os livros e os pães feitos em casa. Por ora, deixemos os livros de lado e nos concentremos nos pães.
O distanciamento social está impossibilitando um dos atos civilizatórios mais significativos que é o de sentar à mesa (com familiares, amigos e desconhecidos) e (re)partir – com as mãos! – o pão. E isso remete à palavra “eucaristia” (do grego antigo εὐχαριστία), que pode ser traduzida por “reconhecimento” ou por “ação de graças”. No catolicismo, está relacionada com a divisão do pão e do vinho (corpo e sangue de Cristo). Em uma interpretação livre significa se preocupar com o Outro, fornecer alimento para quem tem fome.
Somente a situação extrema (pandemia do Covid-19) explica porque – ainda! – não fui tocar a campainha da casa de algumas almas maldosas que, nas redes sociais, postam fotos (em diversos ângulos!) de algumas maravilhas da panificação artesanal. Ah, se os tempos fossem outros!!
O sabor do pão que era feito pela minha mãe se mistura com dias longínquos onde o menino que fui ia até o armazém na esquina comprar fermento (Royal, Fleischmann?, nunca soube qual era para o pão e qual era para o bolo). Depois, todos se reuniam na cozinha. Fazer o pão era motivo de alegria. Misturar os ingredientes, sovar a massa, fazer biscoitos em diversos formatos (pessoas, animais), colocar nas formas (tinha algumas pequenas e uma grande), abrir o forno do fogão à lenha, colocar tudo lá dentro. E esperar. Esperar o milagre que transforma aquela massa gosmenta em alimento. Mal o pão saia do forno, uma parte era devorada imediatamente (um fio de fumaça iluminando o desejo). Pão quente é outra coisa! E faltam palavras para descrever esse acontecimento! Depois, com o passar do tempo, o restante da fornada era consumida de maneiras variadas: com doce de leite, com mel ou nata, com geleia, em sanduíches de queijo.
A loucura por pão feito em casa é tamanha que, em determinado momento de desequilíbrio psíquico, pensei em comprar uma daquelas máquinas que prometem transformar o cidadão comum em padeiro. Felizmente, desisti em tempo. Sou um preguiçoso. Provavelmente a geringonça acabaria encostada em algum canto e eu continuaria comprando na padaria, como faço frequentemente.
Também tenho saudade do pão da Dona Dilma (minha Presidenta!), de quem fui vizinho por muitos e muitos anos, lá na Rua Jorge Lacerda. Era (é) uma delícia. Levemente salgado. Bom para comer puro, uma felicidade para o paladar. Como a vida se movimenta e precisamos nos adaptar a isso, mudei de endereço quase cinco anos atrás. No dia anterior à mudança, ela me visitou, e como presente de despedida me deu um prato de biscoitos, um gesto de ternura que lembrarei para sempre.
Ciabata, bun (cozido no vapor), pita (pão sírio), croissant, aussie bread (australiano), integral, pão de batata, de centeio, com múltiplos grãos, etc. – são tantos os versos do poema. Em compensação, o pão de trigo, também chamado de pão d'água ou pão francês, não passa de um produto industrializado, repleto de bromato de potássio (KBrO3) e outros ingredientes de igual toxicidade. É um desses momentos em que o poeta sem imaginação faz algumas rimas pobres, usualmente mencionando amor, flor e dor.
Meu reino por um pedaço de pão caseiro!
Raul, faço pão em casa. Na semana passada, fiz pão de abóbora e nesta, de batata doce! Se morássemos perto levava umas fatias para ti!
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