A Copa do Mundo de Futebol está
próxima e eu vou torcer contra a equipe que dizem representar o Brasil. O quê?,
exclamarão os exaltados patriotas, sem sequer tentar entender quais motivos me movem na
direção contrária à unanimidade esportiva nacional.
Primeiro. Gosto de futebol. Moderadamente. Nas
tardes de domingo ou nas noites de quarta-feira, uma partidinha na televisão
nunca foi mau programa. Sofá, cerveja, pipoca. Se o jogo for bom, motiva-se o
destampar de algumas muitas ampolas de pão líquido. Em caso contrário,
aproveita-se o sofá para colocar o sono em dia. Exigir mais do que isso sempre
me pareceu inadequado. Desafortunadamente, há quem discorde. Algumas pessoas
acreditam que vinte e dois marmanjos correndo atrás de uma bola têm o mesmo
valor de um ritual religioso. Nesse cenário, o grito de gol equivale ao clímax,
ao orgasmo. Bobagem. De minha parte, um grito de gol é apenas barulho
irritante. Quando o gol é contra o Santos, muito mais irritante.
Segundo. O fanatismo, que é um fenômeno
trivial no mundo esportivo, costuma gerar episódios excessivos. Um conhecido,
depois de assistir – pela televisão – a derrota do time de sua devoção, chamou
a família para uma solenidade no quintal de casa. Enquanto um dos empregados,
clarim em punho, executava (literalmente) o toque de silêncio, ele,
lágrimas escorrendo pelo rosto, hasteou a meio mastro a bandeira da agremiação
esportiva.
Terceiro. O único momento em que considero o
futebol como algo sério é nos jogos da seleção brasileira. Independente dos
jogadores convocados, do técnico ou da importância do jogo, minha função nesse
tipo de situação é simples: torcer contra. Não é uma posição cômoda. Certa vez,
na casa de amigos, quase fui atingido por uma panela de pipocas. Foi em uma
partida contra um país africano, não lembro qual. Fiz algum comentário sobre a
miséria intelectual dos jogadores nacionais. A namorada de um dos convidados tomou as
dores dos ofendidos. E... Transformou o utensílio doméstico em tacape. Se não a
contivessem a tempo, provavelmente me presentearia com uns quinze pontos na
cabeça.
Quarto. Em ocasiões similares, o tribalismo
esportivo se faz acompanhar de agressões verbais. Como a seleção é considerada
símbolo nacional, torcer contra é visto como heresia, crime, traição. Esse
nacionalismo, herança de um pensamento autoritário, habitualmente é seguido por
simpáticos elogios a respeito de minha masculinidade. A honra da senhora minha
mãe também costuma ser mencionada com carinho. Fofo, muito fofo.
Quinto. Na pátria de chuteiras,
segundo a histriônica definição de Nelson Rodrigues, muitos torcedores andam
descalços. E com fome. E com frio. E com sede. Sede de justiça (aquela que
todos conhecemos por tardar e falhar, sem constrangimentos, sem pedidos de
desculpas). No país onde o drible, a firula, o passe de letra, o deixar o
zagueiro da vez sem fôlego são qualidades indiscutíveis, a política esportiva
se afasta da solução dos problemas reais. Muitos jogadores, além dos
jornalistas esportivos, preferem adotar o comportamento alienado de que em boca fechada não entra mosca e que o importante é apenas jogar
futebol. Em outras palavras, deixam as relações com o mundo objetivo sob o
controle dos dirigentes – outorgando-lhes o uso como melhor lhes for
convenientes. E, claro, eles os usam politicamente, inclusive para apoiar
projetos pessoais.
Sexto. Na nação futebolística, a Copa do Mundo
é a Disneylândia dos pobres. Nesse parquinho de diversões dirigido por um setor
comercial que fatura milhões (Adidas, Nike, Puma, Kappa, New Balance, Le Coq
Sportif, etc.), além das redes de televisão e seus anunciantes, a paixão
esportiva é apenas um detalhe – e que eles exploram sem a mínima piedade. Do
óleo de soja até os trajes esportivos, tudo é usado comercialmente como
metáfora do sucesso esportivo.
Sétimo. Futebol é política, é ação
política. Como tudo na vida. Mas, para que se possa enfrentar um adversário
prepotente, acostumado a vencer, precisamos acordar para a vida ou continuar
sonhando sonhos que não são os nossos. Necessitamos entender que uma das finalidades
políticas dos jogos de futebol é anestesiar dores, é desviar a atenção de
problemas mais relevantes. E isso raramente pode ser considerado positivo.
Oitavo. Quem possui um mínimo senso crítico
jamais esquecerá a importância política de jogadores brasileiros como Sócrates,
Afonsinho, Juninho Pernambucano, Paulo André, Raí, Casagrande – todos contra o
moralismo hipócrita do futebol, todos se afastando da alienação, do
preconceito, do sexismo, da misoginia, da homofobia e do racismo. São pessoas
essenciais. Precisamos deles. Mas, falta-nos um Éric Cantona, para dar uma
voadora na iniquidade e na falta de empatia pela vulnerabilidade do Outro.
Nono. O futebol é um esporte que não consegue superar as próprias limitações – e é sempre um desastre do ponto de vista político.
Décimo. Vou torcer contra.
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