O poeta inglês Edward Fitzgerald (1809-1883) traduziu 75 poemas escritos por Omar Khayyam (1048-1131) e publicou, em 1859, esse esforço de recuperação da obra de um dos mais importantes escritores da antiguidade. O livro teve uma tiragem de apenas 250 exemplares e, infelizmente, não obteve sucesso. A qualidade do ruba’i (poesia composta por quatro versos e que procuram celebrar o amor, o êxtase, a brevidade da vida e o vinho) só foi reconhecida alguns anos depois.
Utilizando como pretexto a suposta existência do texto original do Rubaiyat (plural de ruba’i), o escritor libanês, radicado na França, Amin Maalouf reconstruiu a biografia de Omar Khayyam. Nos momentos em que não existe comprovação histórica ou documental, utilizou a ficção – brincando com a verossimilhança e com a invenção.
Tendo como cenário as cidades míticas de Samarcanda, Tabriz, Isfahan, Teerã e Bagdá, a narrativa apresenta semelhanças com o clássico As Mil e Uma Noites. Mas, ao contrário de estar focalizada em aventuras fantásticas, onde o impossível se materializa como um passe de mágica, o leitor encontra na narrativa um relato da instabilidade política (naquela região, naquele tempo, as guerras de conquista por território eram frequentes). Também havia fanatismo religioso, disparidades sociais e econômicas, guerras fratricidas, intrigas palacianas e crueldade. Nesse turbilhão, que sinaliza para a dissolução da civilidade, o poeta exerce as suas muitas habilidades aconselhando políticos e chefes militares, fazendo previsões astrológicas, observando as estrelas (foi um astrônomo importante) e, não menos importante, encontrando o amor. Nos intervalos entre as crises, escreve poesia.
Muito tempo depois, apaixonado pelo Rubaiyat, o estadunidense Benjamin Omar Lesage, ao tomar conhecimento da existência de um improvável manuscrito, que, por caminhos bastante precários, sobreviveu ao esfarelamento do mundo, viaja até o Oriente Médio. Mais do que confirmar a existência do texto, ele quer conhecer os locais onde o poeta escreveu tantos versos maravilhosos. Essa tarefa se revela mais difícil do que o previsto. Apesar da revolução industrial e dos avanços socioeconômicos do “fin de siècle”, a Pérsia (atual Irã) continuava instável. Substituindo as tribos bárbaras, que arrasavam tudo o que estava à frente, a Rússia e a Inglaterra dominavam a geopolítica local, impondo o julgo imperialista com forças militares modernas e de forte poder destrutivo.
Imagem especular invertida de Khayyam, Benjamin encontra-se pressionado pelo romantismo inócuo e/ou pelo realismo selvagem. Independente do caminho escolhido, as perdas se transformam em dor. Seu relacionamento com a princesa Chirine, assim como o de Khayyam com Djahane, não termina em final feliz. A linha emocional que une os dois relacionamentos não consegue resistir às tensões e aos conflitos que surgem a cada instante. Possivelmente, esses relacionamentos inconclusos querem sinalizar que a felicidade é um estado transitório, que jamais adquirirá solidez.
Enfim, Samarcanda (Rio de Janeiro: Tabla, 2021) mistura romances, aventuras, história e um final pouco ortodoxo (mas que é anunciado na primeira página: No fundo do Oceano Atlântico há um livro. É sua história que vou contar).
Impresso em capa dura, com excelente projeto
gráfico e tradução de Marília Scalzo, Samarcanda é indispensável leitura para
quem se interessa pelo orientalismo, pela poesia, pelos livros e, sobretudo, pelo destino
humano em uma região de intensos conflitos políticos.
Amin Maalouf |
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