Algumas figuras literárias são quase unânimes. Jane Austen (1775 - 1817) pode ser apontada como um desses fenômenos. Os seis romances (uma novela, Lady Susan, e diversos textos esparsos) que escreveu continuam sendo lidos e aplaudidos – independente da idade, do grau de instrução ou da situação econômica do leitor. Além disso, a vida pessoal da escritora propõe mistérios que desafiam biógrafos e estudiosos. Milhares de páginas (ficção, biografias, ensaios e autoajuda) continuam a ser publicadas sobre temas significativos (embora pouco transparentes) como o estranho noivado (que durou menos que um dia), o desaparecimento de parte da epistolografia ativa e passiva, o processo criativo literário, as relações familiares, etc.
O romance Srta. Austen (Editora Record, 2023) se concentra em uma figura que costuma ficar nas sombras no universo proposto por Jane Austen: Cassandra (Cassy, Cass) Elizabeth Austen (1773 – 1845), a única irmã no total de oito filhos do casal George Austen e Cassandra Leigh. Oscilando entre acontecimentos ocorridos em 1795, 1796, 1801, 1802, 1805, 1806, mas concentrada principalmente nos de 1840, a narrativa procura, de maneira ficcional, abordar algumas questões importantes sobre a família Austen.
Em 1840, Cassandra vai visitar Isabella Fowler, em Kintbury, Berkshire. Quer encontrar as cartas trocadas entre Jane Austen e Eliza Lloyd (mãe de Isabella). Isso não se apresenta como dificuldade. No entanto, ao ler o conteúdo desses escritos, a memória de Cassandra (57 anos na época) vai recuperando alguns fatos do passado – longínquo, embora presente na memória. Esse conjunto de lembranças mostra as crises depressivas de Jane, as dificuldades financeiras da família (depois da morte do pároco anglicano George Austen), as constantes mudanças de domicílio e a opção das duas irmãs pelo celibato – uma decisão muito difícil em um mundo onde as mulheres eram desprovidas de quaisquer garantias financeiras que não viessem do marido.
Cassandra decide censurar toda e qualquer menção ao que considera segredos familiares. Ou seja, destrói as cartas que poderiam servir para modificar a imagem da escritora talentosa e que se dedicou incansavelmente para construir um projeto literário (mas que só foi reconhecido tardiamente).
Em paralelo com situação similar que viveu no passado, Cassandra procura ajudar Isabella (que ficou em dificuldades econômicas depois da morte de seu pai, o reverendo Fulwar Fowlen). Ou seja, inicia conversações para que ela vá morar com as outras irmãs (Elizabeth e Mary-Jane). Evidentemente, esse arranjo (que lembra um pouco as tramas dos romances de Jane Austen) se mostra complicado; ou melhor, um imenso engano – inclusive porque existem incompatibilidades entre as irmãs. A solução somente aparece nas últimas páginas (graças aos esforços da criada bisbilhoteira, Dinah, a personagem mais engraçado do livro).
Srta. Austen empilha nova camada de
admiração na mitologia de uma das mais importantes escritoras de língua
inglesa. No entanto, apesar de bem construído tecnicamente e de usar uma
linguagem fluída, o livro não acrescenta qualquer novidade para aqueles que conhecem a
literatura (e a vida) de Jane Austen.
ALGUNS LIVROS SOBRE A LITERATURA E A VIDA DE JANE AUSTEN
Romances
– Austerlândia, de Shannon Hale (Rio de
Janeiro: Rocco, 2014);
– As Sombras de Longbourn, de Jo Baker
(São Paulo: Companhia das Letras, 2014);
– O Clube de Leitura de Jane Austen, de
Karen Joy Fowler (Rio de Janeiro: Rocco, 2017);
– A Fraternidade Jane Austen, de Natalie Jenner (São Paulo: Universo dos Livros, 2020).
– Morte em Pemberley, de P. D. James (São Paulo: Companhia das Letras, 2013).
Biografia
– A verdadeira Jane Austen – uma biografia íntima, de Paula Byrne (Porto Alegre, L&PM, 2018)
Técnicas literárias
– Aprendi com Jane Austen, de William
Deresiewicz (Rio de Janeiro: Rocco, 2011);
– O Clube de Escrita de Jane Austen, de
Rebecca Smith (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2017).
Nenhum comentário:
Postar um comentário