Destroços de uma livraria, depois de um ataque aéreo. Londres, 1940. |
Não tenho certeza, mas não devo ter
visitado mais de três vezes a livraria paulista que fechou recentemente. Isso é fácil de explicar, moro no interior de Santa Catarina e só vou a São Paulo em ocasiões especiais. Em compensação, estive na filial de Brasília duas
vezes. Somando tudo, não é muito. Ou melhor, não é o suficiente.
Olho para as estantes do escritório e tento adivinhar quais livros comprei lá. Não foram muitos. Talvez uns três ou quatro de teoria literária – provavelmente nenhum romance. Nos início dos anos 2000 era difícil (para mim) encontrar aqueles calhamaços que dissecam os livros que li em anos anteriores e que fornecem (muitas) informações sobre a carpintaria ficcional. Minha formação literária sempre privilegiou o amor de jardineiro – só depois, muito depois, quando resolvi estudar teoria, é que cultivei o amor de botânico (o sujeito que esquarteja o texto e, sem desfrutar do sabor, acredita que o saber está em colocar rótulos).
Lembrar da livraria (dessa livraria) significa confessar um arrependimento. Enquanto estava caminhando entre as estantes, vi um dicionário grego-português. Edição em capa dura, diagramação profissional, papel de boa qualidade. Folheei o livro, conferi o preço e desisti. Era muito caro. O meu maior problema bibliográfico sempre foi o saldo bancário. Quer dizer, a ausência de saldo bancário. Em vários momentos da vida tive que abrir mão da compra de alguns livros porque as relações econômicas eram incompatíveis com o objeto do desejo. Faltou-me um pai milionário.
O mais importante nessa questão está expresso em uma pergunta básica. Com dificuldades de me expressar em português (nem vale mencionar o inglês horrível e o portunhol selvagem), o que é que eu faria com um dicionário de grego? Nem mesmo a desculpa de estudar filologia seria suficiente para justificar a loucura de comprar um livro que meio mundo classificaria como sem importância para o dia a dia. Provavelmente sua serventia seria – apenas – preencher um vazio na estante. E lá ficaria, belo e intocado. Ou, em versão mais prática, seria promovido a objeto de decoração – no estilo daqueles table books que embelezam as salas burguesas.
Então, sem opção, fui embora. É esse o arrependimento. Olhando para o mar de papel que está emparedado no meu escritório, não encontro o dicionário grego-português. Sou tomado pela ausência do livro que tive nas mãos e que abandonei. Se não fosse uma bobagem sentimentalóide, diria que falta um pedaço de mim.
A livraria deixou de existir – não sei se para sempre. É provável que sim, a incompetência administrativa conduziu o empreendimento a essa situação lamentável. Mesmo que, em algum momento, aconteça o milagre da ressurreição, é necessário estar ciente de que não voltarei a caminhar entre aquelas estantes, não verei as lombadas e as capas dos livros que não quero ler.
Na tentativa de oferecer algum lenitivo, alguém poderia – cheio de boas intenções – recomendar calma. Afinal, existem outras empresas que comercializam livros no Brasil e no mundo (e provavelmente melhores). Terei de concordar. E seguir em frente. Mas, em alguns momentos, será difícil conseguir controlar as lembranças; o coração estará envolto em saudades do dicionário grego-português e da livraria que desapareceu.
P.S: Se me detenho em lamentar o
encerramento das atividades da livraria famosa, não o faço esquecendo que
testemunhei outras perdas (A Sua Livraria e a Livraria Serrana são exemplos
na minha região). As livrarias de rua, principalmente no interior do país,
foram soterradas pelo e-comerce. Ficou difícil competir com o mercado virtual,
que oferece descontos, frete grátis e outras vantagens. Sem poder de reação,
nada mais resta senão fechar as portas. Paralelamente, o número de leitores de livros físicos também diminuiu – ou migrou para outras plataformas de leitura (e-books).
Apesar da paisagem se mostrar devastada,
resistir é preciso – precioso.
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