Sei como é quando você admira alguém e então o vê sob uma luz nada lisonjeira. Sei que pode ser muito doloroso. Foi isso o que Susan Sontag (1933-2004) disse para Sigrid Nunez, logo depois que Edward Said (1935-2003) foi embora (ele estava visitando Sontag e tinha sido professor de Sigrid na Universidade de Columbia). A citação, como se fosse um bumerangue que retorna ao local de lançamento, também serve para identificar a autora do comentário.
Sempre Susan (Sao Paulo: Editora Instante, 2023), o livro testemunho de Sigrid Nunez, mostra uma imagem pouco lisonjeira da mulher que é considerada uma das mais importantes intelectuais estadunidenses. Sigrid, que trabalhou como assistente de Sontag e depois foi namorada de David Rieff (filho de Sontag), não poupa a escritora (principalmente na parte final do livro). Ignorando a possibilidade de escrever uma hagiografia, Sigrid revela defeitos, mágoas, ressentimentos e o complicado complexo de Édipo/Jocasta que uniu Susan e David – provavelmente, embora não o diga explicitamente, o motivo pelo qual Sigrid e David romperam.
No entanto, há um atenuante. Como se trata de um texto situado cronologicamente em um tempo limitado (um ano e pouco, além de alguns encontros esporádicos), e que foi escrito depois da morte de Sontag, pode estar carregado por rancores que não são exatamente os desejáveis em alguém que esteve tão próxima. De qualquer forma, o relacionamento entre os três personagens (Susan, David, Sigrid) parece estar fechado em uma redoma. Salvo Joseph Brodsky e Maria Inês Fornés (que são citados de forma rápida), as outras pessoas que aparecem na narrativa são “figuras decorativas” – qualquer nome poderia ser substituído por outro sem prejuízo do que esta sendo contado, embora exista um cuidado para que a escrita esteja conectada com a verossimilhança.
Por algum motivo, Sigrid menciona o câncer no seio de Sontag de forma superficial. Mas não esconde que esse episódio foi o impulso para que um dos grandes textos de Sontag, A doença como metáfora (São Paulo: Graal, 1984), fosse escrito. Algum tempo depois, Sigrid precisou ler o manuscrito de Aids e suas metáforas (São Paulo: Companhia das Letras, 1989), porque Susan queria saber a sua opinião naquele instante – e não depois do jantar. Sontag tinha certas necessidades – que não podiam esperar.
Sobre a literatura de Sontag, Sigrid destaca O amante do vulcão (São Paulo: Companhia das Letras, 1993) e o conto Assim vivemos agora (São Paulo: Companhia das Letras, 1995). Mas, no geral considera os ensaios como brilhantes e os romances, difíceis. A isso acrescentou o fracasso das leituras públicas. O público esperava pela leitura de algum ensaio e Susan preferia um conto (que eram longos e pouco atraentes em um evento público), ratificando o pensamento que costumava repetir em particular e em público: ela era uma escritora de ficção que por acaso escrevia ensaios, e não o contrário. No entanto, o seu sucesso está mais relacionado com a produção ensaística do que com a literatura de ficção.
Depois que se separou de David Rieff, Sigrid Nunes se encontrou com Sontag poucas vezes, embora tenha acompanhado sua trajetória à distância. Quão difícil é se afastar das pessoas que amamos: Sentamos juntas por um tempo, fumando e conversando. Quantas horas passávamos assim, fumando e conversando! Para mim era insondável: a pessoa mais ocupada e produtiva que eu conhecia, a qual, de alguma forma, sempre tinha tempo para uma longa conversa.
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