A notícia do falecimento de Celso Aurélio Arruda Branco, no dia 24 de novembro, encerra parte da história do jornalismo esportivo do Planalto Catarinense. Ele era presença obrigatória em quase todos os eventos do esporte amador regional e nunca perdeu a oportunidade de incentivar as mais diversas modalidades esportivas (e os atletas que se destacavam) nos veículos de comunicação em que trabalhou. Ciente de que esse trabalho de “formiguinha” nem sempre oferece resultados satisfatórios, e que a caminhada está repleta de obstáculos, nunca desistiu. Cada dificuldade era um incentivo para continuar.
Como o viver está composto por fragmentos (que vivenciamos ou que imaginamos ter acontecido), Celso Aurélio está presente em dois episódios que lembrei ao tomar ciência de que ele desencarnou (os espiritas não aceitam o fenômeno físico-químico de dissolução pura e simples da matéria orgânica – acreditam que existe outro mundo e que a morte é apenas uma passagem entre um estágio e o outro).
Esse dois momentos (que estão interligados) não ajudam a compor um perfil bibliográfico, mas fornecem substância a um desses personagens que compõem o cotidiano urbano (e que raramente são percebidos como significativos para o pulsar da aldeia).
Na segunda metade dos anos 80 e início dos 90 costumávamos frequentar o Bar Marrocos, gerenciado pelo Heitor. A turma usualmente costumava ocupar a mesa quatro, que permitia uma boa visão do calçadão. Esporadicamente, Celso Aurélio se unia a aquele bando de professores, advogados, escritores e artistas plásticos. Com calma, fazia o pedido:
– Seu Heitor, por favor, um guaraná do tipo champanhe.
Enquanto nós, muitas vezes com um tom de voz pouco civilizado, queríamos salvar o mundo das inúmeras ameaças (reais, simbólicas ou imaginárias), Celso Aurélio bebericava o refrigerante da Antarctica com o dedo mindinho erguido, talvez imaginando participar de algum grande evento social.
O tempo escorreu pelo vão dos dedos. O Marrocos deixou de existir. Muitas daquelas pessoas que presenciaram a cena sumiram nas dobras do tempo. Celso Aurélio continuou trabalhando com o esporte, seja escrevendo para o Correio Lageano (depois em O Momento) ou participando de programas de rádio. Em algum momento, alguém comentou que ele estava doente. Ao encontrá-lo, perguntei sobre isso. Ele respondeu que tudo estava sobre controle e que não queria se preocupar com algo sem importância. Mudei rapidamente de assunto.
Cerca de um ano atrás, em um desses momentos de jogar conversa fora, ele me disse algo que não estava no script:
– Não sei como não virei comunista!
Sem saber ao que ele estava se referindo, pedi uma explicação. A resposta veio rápida, como se estivesse sido elaborada de antemão:
– Lembra aquele tempo em que frequentávamos o Marroquinho? Então, vocês ficavam discutindo aquelas coisas estranhas (luta de classe, mais-valia, colonialismo) e eu, silenciosamente, me perguntava se aquilo estava certo. O tempo fez com que a gente tomasse caminhos diferentes e foi isso que me salvou do comunismo.
Rir foi inevitável. A ingenuidade sempre causa espanto. Principalmente depois de o Brasil ter superado uma grande crise institucional. Expliquei que, embora alguns sobreviventes daquele grupo mostrem simpatia por posições políticas de esquerda, todos são capitalistas (uns mais, outros menos). Não sei se ele acreditou nisso, inclusive porque a conversa tomou outro rumo.
É isso. Celso Aurélio fará falta. Muita.
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