Jorge Mario Pedro Vargas Llosa (Prêmio Nobel de Literatura, 2010) possui rara habilidade para escrever ficção. Alguns de seus livros estão entre as melhores narrativas latino-americanas (A cidade e os cachorros, Conversas no Catedral, Tia Júlia e o escrevinhador, Pantaleão e as visitadoras, entre outros). Mas, como acontece com frequência entre escritores, é uma pessoa detestável politicamente. O admirador do socialismo e da revolução cubana se transformou em um conservador liberal. Alguns de seus artigos publicados em jornais e revistas de Espanha (onde reside) se aproximam das ideias defendidas por Tomás de Torquemada (1420-1498), o grande inquisidor.
Mas, como é de conhecimento geral, não se deve confundir a obra artística com os posicionamentos ideológicos do autor. Nesse sentido, o romance Cinco esquinas (publicado no Brasil em 2016), embora não tenha o mesmo brilho de A Festa do Bode (publicado no Brasil em 2011), aborda um tema significativo: os regimes absolutistas que resultam do esfarelamento das democracias. No caso de Vargas Llosa, uma pequena vingança contra um de seus inimigos, Alberto Kenya Fujimori – que governou o Peru entre 1990 e 2000 e o derrotou nas eleições presidenciais de 1990.
O livro inicia erótico, evolui para um caso policial e termina com o cinismo de sempre. Por alguma razão, talvez asco, Vargas Llosa em nenhum momento menciona Vlademiro Ilich Lenin Montesinos Torres, chefe do Serviço de Inteligência Nacional do Peru e eminência parda do governo Fujimori. Atualmente, assim como o seu chefe, o Doutor está preso e, talvez, pelo resto de sua vida.
Um cidadão de bem, empresário de sucesso, Enrique Cárdenas, cometeu uma “pequena” transgressão. Participou de uma orgia regada com álcool e cocaína. Era uma armadilha e o sujeito foi fotografado no exercício de algumas manobras sexuais capazes de ruborizar frade de pedra (como se dizia outrora). Dois anos depois do deslize, a conta bateu na sua porta. Rolando Garros, dono de uma revista de quinta categoria, Revelações, de posse das fotografias, pede um “patrocínio” (100 mil dólares) para a sua publicação. Indignado, o milionário o expulsa. Indignado, o jornalista publica as fotos. Escândalo na sociedade peruana. E que é ampliado quando o cadáver de Rolando Garro aparece em uma rua escura do subúrbio. Seguindo a regra geral, prendam os suspeitos de sempre, o empresário amarga alguns dias em uma cela fétida. Com exceção do trauma, tudo se resolve com rapidez. Um bode expiatório assume o crime, o caso é abafado e a paz volta a reinar entre os homens (e as mulheres) de boa vontade.
Enquanto isso, a revista, sob nova direção, segue na direção de novos escândalos (e, o mais importante, financiada pelo Doutor). Alguns políticos se tornam alvo dos boatos e acusações. Ou seja, para eliminar a oposição nenhuma arma é excessiva. Como a História é dinâmica, o reinado de Fujimori termina abruptamente, a revista publica um relato mais ou menos fiel aos acontecimentos e rompe com o governo. Os tempos que surgem no horizonte são outros.
O caso lésbico, que envolve a esposa do empresário e a esposa do advogado, evolui para um ménage à trois. Ou, como sugerem as páginas finais do romance, um ménage à quatre. Os escrúpulos desaparecem. Parece que, depois do horror, todos adquiriram uma couraça e que, assim protegidos, nada mais os impede que exerçam os privilégios oferecidos pelo dinheiro e pela classe social.
Cinco
esquinas mistura a crítica de costumes e os esquemas mais sórdidos da política.
Enfim, uma boa combinação literária.
Jorge Mario Pedro Vargas Llosa (Arequipa, Peru, 1936) |
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