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quinta-feira, 18 de abril de 2024

CINCO ESQUINAS

 


Jorge Mario Pedro Vargas Llosa (Prêmio Nobel de Literatura, 2010) possui rara habilidade para escrever ficção. Alguns de seus livros estão entre as melhores narrativas latino-americanas (A cidade e os cachorros, Conversas no Catedral, Tia Júlia e o escrevinhador, Pantaleão e as visitadoras, entre outros). Mas, como acontece com frequência entre escritores, é uma pessoa detestável politicamente. O admirador do socialismo e da revolução cubana se transformou em um conservador liberal. Alguns de seus artigos publicados em jornais e revistas de Espanha (onde reside) se aproximam das ideias defendidas por Tomás de Torquemada (1420-1498), o grande inquisidor.

Mas, como é de conhecimento geral, não se deve confundir a obra artística com os posicionamentos ideológicos do autor. Nesse sentido, o romance Cinco esquinas (publicado no Brasil em 2016), embora não tenha o mesmo brilho de A Festa do Bode (publicado no Brasil em 2011), aborda um tema significativo: os regimes absolutistas que resultam do esfarelamento das democracias. No caso de Vargas Llosa, uma pequena vingança contra um de seus inimigos, Alberto Kenya Fujimori – que governou o Peru entre 1990 e 2000 e o derrotou nas eleições presidenciais de 1990.

O livro inicia erótico, evolui para um caso policial e termina com o cinismo de sempre. Por alguma razão, talvez asco, Vargas Llosa em nenhum momento menciona Vlademiro Ilich Lenin Montesinos Torres, chefe do Serviço de Inteligência Nacional do Peru e eminência parda do governo Fujimori. Atualmente, assim como o seu chefe, o Doutor está preso e, talvez, pelo resto de sua vida.

Um cidadão de bem, empresário de sucesso, Enrique Cárdenas, cometeu uma “pequena” transgressão. Participou de uma orgia regada com álcool e cocaína. Era uma armadilha e o sujeito foi fotografado no exercício de algumas manobras sexuais capazes de ruborizar frade de pedra (como se dizia outrora). Dois anos depois do deslize, a conta bateu na sua porta. Rolando Garros, dono de uma revista de quinta categoria, Revelações, de posse das fotografias, pede um “patrocínio” (100 mil dólares) para a sua publicação. Indignado, o milionário o expulsa. Indignado, o jornalista publica as fotos. Escândalo na sociedade peruana. E que é ampliado quando o cadáver de Rolando Garro aparece em uma rua escura do subúrbio. Seguindo a regra geral, prendam os suspeitos de sempre, o empresário amarga alguns dias em uma cela fétida. Com exceção do trauma, tudo se resolve com rapidez. Um bode expiatório assume o crime, o caso é abafado e a paz volta a reinar entre os homens (e as mulheres) de boa vontade.

Enquanto isso, a revista, sob nova direção, segue na direção de novos escândalos (e, o mais importante, financiada pelo Doutor). Alguns políticos se tornam alvo dos boatos e acusações. Ou seja, para eliminar a oposição nenhuma arma é excessiva. Como a História é dinâmica, o reinado de Fujimori termina abruptamente, a revista publica um relato mais ou menos fiel aos acontecimentos e rompe com o governo. Os tempos que surgem no horizonte são outros.  

O caso lésbico, que envolve a esposa do empresário e a esposa do advogado, evolui para um ménage à trois. Ou, como sugerem as páginas finais do romance, um ménage à quatre. Os escrúpulos desaparecem. Parece que, depois do horror, todos adquiriram uma couraça e que, assim protegidos, nada mais os impede que exerçam os privilégios oferecidos pelo dinheiro e pela classe social.

Cinco esquinas mistura a crítica de costumes e os esquemas mais sórdidos da política. Enfim, uma boa combinação literária.  


Jorge Mario Pedro Vargas Llosa (Arequipa, Peru, 1936)

 


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