Eu
tinha 20 anos. Não consentirei que ninguém diga que é a idade mais bela da vida.
A frase de Paul Nizan não faz parte de Stay True (WMF Martins Fontes, 2024),
o livro de memórias de Hua Hsu. Mesmo assim, ela está lá em cada página do
livro, quase como se fosse um outdoor em neon.
Stay True é um relato sobre a amizade e a brevidade da vida. É sobre o mundo universitário em Berkeley (Califórnia), nos anos 90 do século XX. É sobre aquele instante em que a juventude imagina que a graduação será suficiente para abrir todas as portas do futuro. É sobre a época das descobertas: sexo, álcool, tabaco, maconha, filosofia, conversas no meio da madrugada, leituras e viagens. É sobre o momento em que ninguém imagina o perigo.
Nessa visão do paraíso, nem tudo se mostra idílico. O campus universitário está repleto de muros. Para separar os brancos dos outros (asiáticos, hispânicos, indianos), os membros das fraternidades dos independentes, os pobres dos ricos, os que nasceram no sul daqueles que nasceram no norte da Califórnia (99 por cento das pessoas em Berkeley pareciam vir de um desses dois lugares), os que estão destinados ao sucesso daqueles que estão a passeio. Alguns conseguiram romper essas barreiras. Nem todos. Poucos.
Kenneth (Ken) Ishida e Hua Hsu não combinavam. O descendente de japoneses e o descendente de taiwaneses possuíam gostos, propostas de vida e formação intelectual diferentes. Algo como água e azeite. Ken: expansivo, carismático, alegre. Hua: introspectivo, preocupado em produzir fanzines sobre música. O acaso os uniu. Ou melhor, nas palavras de Hua: Há muitas moedas de troca para a amizade. Ao ver as roupas que Hua usava (compradas em um brechó), Ken pediu ajuda para encontrar algo similar. Ele iria participar de uma festa temática dos anos 70 e queria se destacar com uma aparência espetacularmente chamativa.
Depois
disso, a amizade evoluiu. Os grupos que gravitavam em torno dos dois homens se aproximam
e tudo parecia estar destinado à construção daquelas histórias que são relembradas,
anos depois, em barbecues ou em encontros casuais. Não foi assim. Ao sair de
uma festa, Ken foi morto em um assalto.
Duas horas depois, continuávamos sentados nos degraus da entrada, quando um carro de polícia trouxe Sammi e Derrick. Ela estava pálida. Derrick se remexia atrás dela, os olhos fixos no chão. Sammi nos contou que Ken estava morto. Derrick colocou o braço sobre meus ombros. Eu podia senti-lo, tenso e rígido, tentando parecer forte, e enterrei o rosto em seu peito, soluçando. “Ele se foi, Hua”, murmurou.
Incapaz de compreender a perda, e por um motivo banal, Hua somente foi capaz de descrever o episódio muitos anos depois. Foi preciso estar distante. Foi preciso seguir a vida, terminar os estudos – e lembrar do amigo como se ainda estivesse presente, como se ainda fosse alguém com quem dividia cigarros ou o acompanhava até uma loja distante para comprar donuts.
Stay
true (permaneça verdadeiro) era uma forma de cumprimento informal,
uma espécie de “cuide-se”, que os dois rapazes diziam um para o outro quando se
despediam.
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