São raras as narrativas de ficção científica que abordam as relações amorosas. Outros temas possuem preferência: viagens espaciais, inovações tecnológicas, colonialismo em outros planetas, populações alienígenas, distopias fascistas.
Trabalhando em sistemas solares diferentes, jovem casal planeja voltar à Terra para se casarem. Tudo está planejado, o local da cerimônia, a recepção, os convidados. Somente precisam chegar em Seul, Coreia do Sul, no dia agendado. Mas... como acontece em todas as histórias trágicas de amor, surgem inúmeros obstáculos e o que parecia, inicialmente, a projeção da felicidade se transforma em desencontro e angustia.
Esse é o enredo das duas primeiras histórias de Odisseia Estelar, de Kim Bo-Young (Editora Suma, 2025. Tradução de Luís Girão). Em uma série de mensagens (que, por disparidades temporais, estão desconectadas umas das outras), o leitor pode comparar a visão do noivo (Estou esperando por você) e a visão da noiva (Estou indo até você). Embora os dois contos estejam conectados pelo fio da esperança de que tudo terminará da melhor maneira possível, os personagens precisam lidar com situações muito diferentes. E isso resulta em afastamento. Os diversos incidentes (e acidentes) que relatam dificultam realizar o que prometeram um ao outro.
Do ponto de vista narrativo, a adoção da linguagem epistolar permite a abordagem do tema através de visões unilaterais, onde os fatos expostos não sofrem interferência – ou reparos. Ao leitor cabe fazer as conexões, interpretar as decisões de cada uma das partes e lamentar o resultado dessa epopeia do desencontro e da solidão.
Metaforicamente, na odisseia encenada no imenso oceano que é o espaço sideral, Ulisses e Penélope jamais se encontrarão em Ítaca. A Terra, seguindo a vocação eterna para o caos, foi destruída por uma guerra civil. Só sobraram algumas poucas indicações de que, em algum momento, existiu uma civilização.
No terceiro conto, Pessoas a caminho do futuro (que se divide em quatro partes), um viajante espacial, Seongha, está procurando pelos confins do mundo. Para que isso seja possível precisa superar contratempos, loucura, isolamento e – o mais perigoso – outros terráqueos. Cada uma dessas ameaças exige habilidades que ele não dispõe. E isso significa que a morte sempre está próxima. Nessa tentativa de desbravar o infinito existencial, o vazio se projeta como resposta para todas as perguntas. Segundo o narrador, Tudo naquele universo estava morto. O tempo antigo, como uma doença, havia arrastado tudo o que era vivo para o abismo da morte. (...) Somente a “luz”, que vivia por tempos infinitos, continuava a sobreviver, transportando de um lugar para o outro imagens dos tempos em que o universo estava vivo. (...) Todas as estrelas mortas ainda brilhavam em algum lugar do cosmos. (...) Para a luz, o nascimento e o fim do universo significavam um único instante. A luz vivia por eras infinitas, mas morria no momento em que nascia. Ela ignorava até mesmo que um dia havia existido.
Odisseia
estelar não economiza em discussões sobre as muitas questões científicas
relacionadas aos efeitos da física e da biologia nos humanos que estão navegando
pelo mundo exterior: as viagens espaciais que ampliam as diferenças espaço-tempo,
a possibilidade de atingir a velocidade da luz, o emprego de nanorrôbos
sintéticos para preservar a vida, os efeitos da gravidade e da ausência de
oxigênio, as naves espaciais individuais e coletivas quase autônomas. Essas abordagens com contornos futuristas são importantes para entender o romance, sendo que alguns
trechos exigem entendimento científico além do trivial – mas isso não atrapalha a narrativa que propõe um cenário ad hoc, onde tudo se assemelha ao
deslumbramento e, simultaneamente, ao horror.
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| Kim Bo-Young |

