Páginas

segunda-feira, 20 de maio de 2013

O FASCISMO NA TELA DO CINEMA


Nojento. Não há outra definição para sintetizar o filme A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty, Dir. Kathryn Bigelow, 2012). Por diversos motivos, não o vi quando passou no cinema. Deveria ter permanecido na ignorância. Mas, ao ver o DVD na locadora, imaginei que se tratava de algo interessante. Mero engano. Mera representação do fascismo imperialista – sem conteúdo, exceto o esforço publicitário de que a luta contra o terrorismo perdoa todos os pecados. Em síntese, lixo.

A versão cinematográfica do assassinato de Osama Bin Laden começa com um recurso tipicamente canalha. Com a tela escura, o espectador ouve algumas vozes desesperadas de vitimas do 11 de setembro tentando se despedir de parentes ou suplicando por ajuda. Ou seja, determinado o crime, urge punir o suposto criminoso. São esses poucos segundos que estabelecem o tom ideológico do filme.

A cena seguinte complementa o esquema: um muçulmano está sendo interrogado por agentes da Central Intelligence Agency (CIA). Agressões físicas, amarrar as mãos do prisioneiro e pendurá-lo no teto, privação de sono e alimentação, encarceramento em locais minúsculos – todas essas ações educadíssimas são atos preparatórios para o "grand finale": waterboard – a técnica de tortura favorita dos campeões da Democracia". Consiste em simular um afogamento – a água lançada sobre a face e para dentro das vias respiratórias daquele que está sendo “interrogado”. O propósito dessa selvageria é destruir psicologicamente o prisioneiro. Nesses momentos, a Convenção de Genebra e os Direitos Humanos se transformam em obras de ficção. A terra de ninguém (reverberando o horror de Abu Ghraib e Guantánamo), onde a razão ética desapareceu, nivela o terrorismo e a civilização pelos fundamentos da barbárie. Em outras palavras, são esses elementos de loucura que abrem um precedente para permitir o entendimento de que todas as ações são permitidas, são legais, são justas. Para todos os lados. 

Os diálogos do filme (seja no dia-a-dia dos personagens, seja nas salas de tortura) estão conectados com um propósito educativo: repetir mil vezes a mensagem para que todos (personagens e espectadores) se convençam que a diferença entre a verdade e a mentira depende de um slogan midiático: tornar o mundo mais seguro para a Democracia (uma forma de governo submissa aos mecanismos de manipulação da informação). 
Depois de expor a barbárie, o filme se concentra na descrição de Maya, personagem interpretada por Jessica Chastain. Ela não tem amigos, ignora os relacionamentos afetivos, não perde o foco quando o assunto é trabalho. Como todo carrasco, não possui humor. Confunde determinação com obsessão. E, nesse andamento, incomoda os colegas, faz pressão, não esconde que gosta de resolver os problemas pela força. Traduzindo: um caso típico de frustração sexual.

A soma de todos esses elementos comprova a demência ocidental. A direita mais reacionária – destilando o medo a cada instante – conduz os acontecimentos na direção do horror. E despeita a soberania de países como o Afeganistão e o Paquistão – não bastasse ter alimentado a imagem publicitária de que todos os seus habitantes são terroristas.

A doutrina militar estadunidense shock and awe (choque e pavor) se revela instrumento de força desproporcional  quando, cinematograficamente, um grupo de extermínio invade a casa onde estão morando os vários suspeitos. Embora a ação se mostre, em vários momentos, como exemplo de visível incompetência (desde a falta de coerência na decisão para invadir a casa até um helicóptero que cai), a carnificina ocorre. Em ritmo Counter Strike, o uso da força avassaladora resume a diferença entre a vida e a morte em uma partida de videogame. Somente mulheres e crianças são poupadas. Todos os homens são fuzilados.

A cena final mostra o ridículo multiplicado pelo ridículo: Maya, ao descobrir que sua vida não possui mais nenhum sentido, pois seu inimigo foi destruído, cai em choro compulsivo. Algum cretino há de considerar que ela foi tomada de emoção e pelo alívio. Mentira. Chora por si mesma. Incapaz de entender o que aconteceu. O fascismo se descobre ignorante e inútil – exceto como instrumento de opressão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário