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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A MAÇÃ ENVENENADA

Há sempre um preço a pagar para quem encontra a beleza enfrentando seus demônios, declara o narrador e protagonista da novela A Maçã Envenenada, de Michel Laub. De forma implícita, ele está avisando ao leitor que não há como resgatar em bons termos a fatura estética. A perfeição plástica (seja lá o que isso for) custa caro – no caso de estar à venda. Raramente está. De qualquer maneira, o novo texto de Laub não está relacionado com a discussão de conceitos acadêmicos, mas sim como um evento artístico pode interferir na vida de um personagem.

Em 1993, o grupo de rock Nirvana se apresentou no estádio do Morumbi. Na mesma época, a estudante de engenharia Immaculée Ilibagiza passou 90 dias escondida dentro de um banheiro, na companhia de outras sete mulheres. Foi a maneira que encontrou para sobreviver, quando eclodiu o genocídio que devastou Ruanda. O narrador e protagonista de A Maçã Envenenada, nesse período, está cumprindo serviço militar (CPOR) e tem uma namorada chamada Valéria.

Em abril de 1994, Kurt Cobain se suicidou; Immaculée Ilibagiza percorreu o mundo ministrando palestras e escrevendo em favor dos direitos humanos; e o inominado narrador e protagonista, depois de um acidente de trânsito, está morando em Londres.  Seguindo a regra geral dos brasileiros auto-exilados, exerce diversas profissões, inclusive a venda de sanduíches em escritórios da região de Covent Garden.

Entre um período e outro, o mundo desaba. Pelo menos para quem está relatando todas as histórias. Sentindo prazer em misturar uma serie de sentimentos pouco plausíveis e discussões baratas, o narrador e protagonista faz de sua narrativa um muro de lamentações – ornamentado por lições edificantes sobre as injustiças que corroem o mundo (a morte de Kurt Cobain, o desastre político em África, o CPOR, o acidente de carro, a vida inteira que poderia ter sido e que não foi) ou por perguntas que exigiriam a leitura de trezentos volumes de filosofia para serem respondidas. Esse impasse narrativo, fundamental para o entendimento textual, respinga em algumas gotas de autoficção, indicando a possibilidade de misturar a vida pessoal do autor com a tessitura literária – crime que, se ocorreu, não está ao alcance do entendimento do leitor comum.   

A Maçã Envenenada está dividido estruturalmente em três partes e 101 pequenos capítulos – fragmentos de uma imagem maior e que somente adquirem algum sentido quando visualizados como todo. Esse recurso funciona de forma eficiente, embora seja uma prática corrente da literatura próxima do minimalismo e que é, de uma forma ou de outra, praticada por Laub (ver, por exemplo, a carpintaria literária de O Segundo Tempo e O Gato Diz Adeus).

De qualquer maneira, o estilo adotado por Laub não é nenhuma novidade na literatura brasileira contemporânea. Contos longos e novelas costumam ser promovidas à categoria de romance   como se escrever um romance fosse constatação inequívoca do talento. A metáfora proposta pelo título do último "romance” (119 páginas não são suficientes para caracterizar o gênero) de Michel Laub adquire alguma substância quando se percebe a quantidade de agrotóxicos que alguns "escritores" estão  utilizando para  "salvar" a literatura brasileira. De qualquer forma, salvo raríssimas exceções, o Brasil não dispõe de escritores capacitados para escrever um texto mais extenso, com maior densidade dramática e literária.  

P.S.1: Parte da diversão de ler A Maçã Envenenada está em reconhecer que alguns trechos (o vendedor de sanduíches em Londres) foram antecipados em um conto antigo, O Percurso, publicado na antologia temática  organizada por Isabella Marcatti e Manoel Ricardo de Lima, A Visita (São Paulo: Barracuda, 2005).

P.S.2: Michel Laub publicou os "romances" Música Anterior (2001), Longe da Água (2004), O Segundo Tempo (2006), O Gato Diz Adeus (2009) e Diário da Queda (2011).


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