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segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O CHEIRINHO DO AMOR

Tarado! Degenerado! Canalha! Despudorado! Obsceno! Safado! Sem-vergonha! Boca suja! Os adjetivos, todos seguidos por indefectível ponto de exclamação em riste, são utilizados a granel para criar um efeito multiplicador da indignação. Alguns, como é o caso dos pouco frequentes fescenino, ignominioso, licencioso e safardana, mostram que um bom repertório de insultos e ofensas pode ser visualizado como um fator de instrução cultural – para descobrir os significados basta consultar os dicionários ou acessar o titio Google, está tudo lá, ao lado de coisas piores.

O homenageado por tantas láureas, Reinaldo Moraes, parece não se importar com essas incontroláveis e efusivas demonstrações de carinho. Muito pelo contrário. Gargalha na mesma proporção com que os detratores tentam intimidá-lo. Fato comprovado pelos textos que integram O Cheirinho do Amor, livro que reúne três dúzias de crônicas publicadas na revista Status, entre março de 2011 e maio de 2014, e que tratam dos mais variados e malucos desvios (e acertos) sexuais. Na cama, sofá, banco de trás do fusca, além de outros lugares possíveis para a, digamos, acoplagem sexo-recreativa, cabem centenas de casos, anedotas e considerações de ordem político-filosófica. Por exemplo, as contribuições ao mundo do sexo do artista plástico Jeff Koons, ex-marido da ex-deputada italiana Ilona Staller, conhecida mundialmente como Cicciolina. No mesmo diapasão, merece atenção algumas sugestões sobre as comemorações que podem ser realizadas em 6 de setembro (6/9), dia do sexo. Empalamentos, promovidos entre moradores do Vaticano e rapazes liberais, e os esforços imaginários para dar um gás no clássico cinco-contra-um também foram incluídos no repertório. O empreendedorismo de Tracy Elise, que fundou o Templo da Deusa, uma instituição pornô-religiosa destinada a ensinar as delícias do sexo tântrico aos interessados na modalidade, revela que na prática diária das mais interessantes sacanagens não está incluído o bom comportamento – que, sem querer abusar das metáforas, na hora do bem-bom deve ser a primeira peça de roupa a ser despida.

Em dois momentos (no mínimo) o leitor precisa tomar folego, respirar fundo e se divertir – e muito, pois a vida, mesmo naquelas ocasiões em que tangencia o trágico, não consegue fugir do patético. Ao comentar as travessuras pornô-sexuais de James Hunt (1947-1993), piloto de Fórmula Um, na crônica Histórias do Pancadão, Reinaldo, produz uma fantástica resenha do filme Rush – No Limite da Emoção (Dir. Ron Howard, 2013), que retrata as últimas corridas do campeonato mundial de automobilismo de 1976. Aliás, quem ainda não viu o filme, precisa correr para a locadora mais próxima e alugar uma cópia. O outro instante de brilho está na crônica homônima ao título do livro e  trata de algo incorpóreo, porém de suma importância para quem valoriza a doce arte do fuque-fuque. Transitando entre as épicas memórias de um tempo que nem mesmo uma dose reforçada do comprimido azul consegue recuperar e os reflexos produzidos por um filme clássico, Perfume de Mulher (em duas versões, lembrarão os cinéfilos: Dir. Dino Risi, 1974 e Dir. Martin Brest, 1992), Reinaldo discorre com ares de catedrático sobre essa madelaine proustiana a-pós-a-moderna-idade que são os odores femininos. Ciente de que não há afrodisíaco mais poderoso que o bouquet intimo, faz uma serie de considerações de suma importância sobre fragrâncias e sabores extraídos nos momentos de atividade sexual. Enquanto tem olfato, o ser humano tem tesão, esclarece o mestre.

Reinaldo Moraes declara que só os tolos confundem sexo com amor e amor com sexo. E, como as suas crônicas estão focadas exclusivamente no sexo, as questiúnculas que caracterizam o amor não estão incluídas no pacote. Por isso mesmo, o autor mostra não ter pudor com os interditos impostos pelo discurso edulcorado pelo politicamente correto, aquele mesmo que foge de palavras-chaves como buceta, caralho, cu, porra, trepar, cabaço e punheta, entre outras menos votadas pelos ilustres pervertidos de plantão. Ele sustenta (nas entrelinhas) a ideia de que essas palavras – e seus sinônimos – são totalmente adequadas para a conversação diária, seja na mesa de bar, seja no convívio do lar. Errado é reprimir pensamentos ou omitir sentimentos.

O ser humano (desde o momento em que a primeira célula se reproduziu por mitose ou meiose, sei lá qual, faz tempo que fugi da escola) pode ser definido como uma espécie de abaporu (do tupi, aquele que come gente). No bom sentido, óbvio. Homens e mulheres adoram trocar fluídos, odores e gemidos nas mais variadas situações, posições e profundidades, confirmando que na vida sexual não há lugar para a apatia (do grego, apathea, ausência de paixão). Quer dizer,... broxar também faz parte – contanto que esse acidente de trabalho não se transforme em rotina!

Na imensidão do Brasil varonil não faltarão feministas e reprimidos para rotularem O Cheirinho do Amor como um livro machista, quiçá misógino. Bobagem. Gente séria demais é gente chata – e desses leitores o Reinaldo Moraes não precisa. 

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