Os romances de tese estão fora de moda. Poucos
são os exemplos contemporâneos em que alguma discussão ética, dessas que
confrontam as diferenças entre o certo e o errado, se sobressai. A maioria das
narrativas contemporâneas abordam, de forma superficial, os relacionamentos
amorosos ou as ilusões do capitalismo. Em textos repletos de diálogos,
projetando futuros roteiros de cinema, estão misturados diversos elementos de
entretenimento banal (cenas de ação e doses controladas de sexo). Essa
fórmula imbatível, utilizada pelos best-sellers, garante a venda de milhares de
exemplares.
A Balada de Adam Henry, de Ian McEwan,
rompe com a apatia e enfrenta, sem medo, uma questão particular do embate entre
a ciência e a religião. Adam Henry, 17 anos, sofre de leucemia e precisa de uma
transfusão de sangue. Como ele e sua família professam a fé das Testemunhas de
Jeová, essa hipótese está descartada – todos preferem oferecer o corpo do rapaz
em sacrifício ao dogma religioso. Qualquer semelhança com o mito bíblico protagonizado
por Abraão e Isaac não deve ser interpretado como mera coincidência.
Em regime de emergência, o hospital em
que Adam está internado entra com uma ação judicial para evitar a morte do
paciente. A juíza que atende as questões de família, Fiona Maye, depois de uma
breve análise dos argumentos defendidos pelas partes envolvidas, decide em
favor do prolongamento da vida.
A toda ação corresponde uma reação, de
igual força e sentido contrário. Esse princípio da física (3ª Lei de Newton) também pode ser
empregado para explicar alguns comportamentos humanos. Salvar uma vida cria
laços afetivos – e pouco importa se alguns são indesejados. Adam, que é
extremamente inteligente e tem uma compreensão da vida diferenciada, ao ver a estranha
alegria de seus pais quando foi salvo da morte, se considera em dívida. Imediatamente
se movimenta em direção do agradecimento. A juíza, que está tentando sobreviver
a uma crise pessoal, o esfarelamento de sua vida conjugal, acredita que está sendo
perseguida e repele o jovem acintosamente – apesar de, insensatamente, ter
contribuído para que um mal-entendido se instalasse entre eles.
O restante da história não se mostra diferente
de centenas de dramas em que os acontecimentos mais importantes são omitidos
pela carpintaria narrativa. Ao descrever a reaproximação do marido e o fascínio
da juíza pela música clássica, o narrador, ao mesmo tempo em que mantém o
leitor preso à leitura, ergue uma parede para obstruir as imagens que realmente
importam – e que surgem nas páginas finais do romance como um exemplo
devastador das forças da natureza. Nem mesmo o recebimento de uma carta,
contendo um poema bastante sugestivo, consegue atrair a atenção de Fiona Maye.
Algum tempo depois, ao descobrir que as
estruturas em que se apoia (sucesso profissional, talento musical, estabilidade
na vida conjugal) são irrelevantes, ela finalmente compreende que desperdiçou a
vida com inutilidades. Os valores que deveria ter defendido ficaram esquecidos
em algum lugar do passado, como se fossem objetos sem o mínimo significado. No
entanto, a consciência do dano não repara o malefício. Essa é a tragédia e –
talvez tarde demais – a redenção.
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