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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A BALADA DE ADAM HENRY

Os romances de tese estão fora de moda. Poucos são os exemplos contemporâneos em que alguma discussão ética, dessas que confrontam as diferenças entre o certo e o errado, se sobressai. A maioria das narrativas contemporâneas abordam, de forma superficial, os relacionamentos amorosos ou as ilusões do capitalismo. Em textos repletos de diálogos, projetando futuros roteiros de cinema, estão misturados diversos elementos de entretenimento banal (cenas de ação e doses controladas de sexo). Essa fórmula imbatível, utilizada pelos best-sellers, garante a venda de milhares de exemplares. 

A Balada de Adam Henry, de Ian McEwan, rompe com a apatia e enfrenta, sem medo, uma questão particular do embate entre a ciência e a religião. Adam Henry, 17 anos, sofre de leucemia e precisa de uma transfusão de sangue. Como ele e sua família professam a fé das Testemunhas de Jeová, essa hipótese está descartada – todos preferem oferecer o corpo do rapaz em sacrifício ao dogma religioso. Qualquer semelhança com o mito bíblico protagonizado por Abraão e Isaac não deve ser interpretado como mera coincidência. 

Em regime de emergência, o hospital em que Adam está internado entra com uma ação judicial para evitar a morte do paciente. A juíza que atende as questões de família, Fiona Maye, depois de uma breve análise dos argumentos defendidos pelas partes envolvidas, decide em favor do prolongamento da vida.

A toda ação corresponde uma reação, de igual força e sentido contrário. Esse princípio da física  (3ª Lei de Newton) também pode ser empregado para explicar alguns comportamentos humanos. Salvar uma vida cria laços afetivos – e pouco importa se alguns são indesejados. Adam, que é extremamente inteligente e tem uma compreensão da vida diferenciada, ao ver a estranha alegria de seus pais quando foi salvo da morte, se considera em dívida. Imediatamente se movimenta em direção do agradecimento. A juíza, que está tentando sobreviver a uma crise pessoal, o esfarelamento de sua vida conjugal, acredita que está sendo perseguida e repele o jovem acintosamente – apesar de, insensatamente, ter contribuído para que um mal-entendido se instalasse entre eles.

O restante da história não se mostra diferente de centenas de dramas em que os acontecimentos mais importantes são omitidos pela carpintaria narrativa. Ao descrever a reaproximação do marido e o fascínio da juíza pela música clássica, o narrador, ao mesmo tempo em que mantém o leitor preso à leitura, ergue uma parede para obstruir as imagens que realmente importam – e que surgem nas páginas finais do romance como um exemplo devastador das forças da natureza. Nem mesmo o recebimento de uma carta, contendo um poema bastante sugestivo, consegue atrair a atenção de Fiona Maye.

Algum tempo depois, ao descobrir que as estruturas em que se apoia (sucesso profissional, talento musical, estabilidade na vida conjugal) são irrelevantes, ela finalmente compreende que desperdiçou a vida com inutilidades. Os valores que deveria ter defendido ficaram esquecidos em algum lugar do passado, como se fossem objetos sem o mínimo significado. No entanto, a consciência do dano não repara o malefício. Essa é a tragédia e – talvez tarde demais – a redenção.


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