Quem acredita que os criminosos se
caracterizam por serem indivíduos mal-encarados e tristes provavelmente nunca
leu os engraçadíssimos contos do estadunidense Damon Runyon (nascido Alfred
Damon Runyan, 1880-1946). Salvo engano, somente o conto O Cabeça Vai Para Casa foi traduzido no Brasil e publicado em Os 100 Melhores Contos de Humor da
Literatura Brasileira (Org. Flávio Moreira da Costa. Rio de Janeiro, Ediouro,
2001) e (com o título ligeiramente alterado) em Contos Norte-Americanos (Org.
Aurélio Buarque de Hollanda e Paulo Ronai. Rio de Janeiro: Edições de Ouro,
s/d).
Runyan ficou mundialmente famoso com a
coletânea de contos Guys and Dolls, publicada em 1931, e que foi transformada
em um grande sucesso musical da Broadway. Também há uma versão cinematográfica,
com um elenco “estrelar”: Marlon Branco, Frank Sinatra e Jean Simmons (Dir. Joseph Mankiewicz, 1955).
Junto com O. Henry (nascido William
Sidney Porter, 1862-1910) e Saki (nascido Hector Hugh Munro, 1870-1916), Runyon
é um dos vértices do triângulo literário de língua inglesa que, na transição do
século XIX para o século XX, elevou o conto até um nível artístico de primeira
classe. Além da coincidência de não assinarem os seus textos com o nome de
batismo, os três tinham inquestionável talento e bom humor.
A vida de Runyon foi dividida entre
redações de jornais e mesas de bares. Nos intervalos, casou (duas vezes), teve
filhos, e desfrutou da fama e da riqueza. No início da década de vinte, o seu
salário alcançava a inimaginável (para a época) quantia de 20.000,00 dólares.
Como trocava o dia pela noite, e raramente estava em casa, não conseguiu
superar as crises familiares e o rompimento com as mulheres com quem teve algum
tipo de envolvimento afetivo. Também não conseguiu evitar problemas com os filhos. Entre os seus inúmeros amigos no submundo do crime, Al Capone talvez seja o mais famoso. Morreu vítima de câncer na garganta.
Quem não domina a língua inglesa e quer
conhecer a produção literária de Damon Runyon precisará atravessar o Oceano
Atlântico. Metaforicamente, claro. Há uma edição portuguesa, facilmente encontrável nos sebos, Os Apostadores de
Cavalos Morrem Tesos, tradução de José Manual Batista, e que reúne sete das melhores histórias que ele escreveu.
Runyon era um escritor coloquial, desses
que procuram transcrever da maneira mais fiel possível a linguagem das ruas. Ou
seja, seus textos estão repletos de gírias, expressões idiomáticas, trocadilhos
e outros “ruídos” de linguagem. O resultado dessa confusão é muito engraçado.
Principalmente quando chega ao leitor brasileiro através do português de
Portugal. Os textos estão recheados de palavras que não estão registradas no
Aurelião ou no Houaiss (chuis, candonga), além de outras que são tão raras que
somente se encontram lá, nos dicionários (arquilho). Sobra o trabalho de adivinhação. Ou melhor, de
invenção. E nessa brincadeira, o prazer da leitura se multiplica.
Tendo como enfoque personagens marginais (assaltantes, bookmakers, batedores de carteira, apostadores compulsivos, prostitutas, falsificadores,...) Runyon mostra um lado da sociedade que somente costuma ter visibilidade nas páginas policiais. Mas, em lugar de se concentrar nas amarguras ou o que há de pior no ser humano, ele preferiu narrar o patético, o ridículo e o divertido. Em todas as histórias, alguém consegue superar as vicissitudes do destino e ver o lado bom da vida – mesmo que isso signifique ter que casar ou ir à igreja.
Tendo como enfoque personagens marginais (assaltantes, bookmakers, batedores de carteira, apostadores compulsivos, prostitutas, falsificadores,...) Runyon mostra um lado da sociedade que somente costuma ter visibilidade nas páginas policiais. Mas, em lugar de se concentrar nas amarguras ou o que há de pior no ser humano, ele preferiu narrar o patético, o ridículo e o divertido. Em todas as histórias, alguém consegue superar as vicissitudes do destino e ver o lado bom da vida – mesmo que isso signifique ter que casar ou ir à igreja.
O meu conto favorito, Butch Cuida do Bebé, é uma pequena obra-prima. Um trio de marginais, especialistas em pequenos furtos, descobre uma oportunidade de ouro. Um cúmplice, que trabalha como tesoureiro em uma empresa, avisa para eles que o pagamento dos funcionários está guardado no cofre. Basta ir lá e pegar o dinheiro. Quer dizer, antes é necessário resolver os óbvios problemas técnicos. E isso significa que será necessário explodir a porta do cofre. Eles não sabem como fazer isso. Mas conhecem alguém que pode executar a tarefa. O problema é que, depois que saiu da cadeia, John Ignatius, conhecido como o Grande Butch, casou, teve um filho e morre de medo da esposa. Além disso, prometeu que vai se regenerar, pois há uma lei em vigor que diz que quem for preso mais de três vezes por algum crime grave terá a sua pena transformada em prisão perpétua. E ele já esteve preso três vezes. Mesmo assim, eles o procuram. A conversa não anda. O arrombador precisa cuidar do filho, pois a esposa vai passar a noite em um velório. A situação entra em um impasse – e se resolve através do absurdo. Os bandidos, convencem o Grande Butch a levar a criança, alegando não haver perigo. Além disso, prometem 50% do que for angariado. Não há como resistir. Tudo é muito engraçado, a suspeita crescente de algo vai dar errado, todos eles são muito amadores, muito trapalhões. De qualquer forma, foi necessário dinamite para abrir a porta do cofre e isso causou bastante barulho. A polícia apareceu, houve tiroteio, muita confusão. O narrador do conto e o Grande Butch saem juntos, levando a criança – que não para de chorar. Esse é o final perfeito para o conto perfeito. Um dos policiais ao ver a cena, se aproxima, mas não prende ninguém. Quem imaginaria que um neném de colo teria participado de um assalto? Suspeitando que o menino esteja chorando pelo início da dentição, o policial aconselha o pai a ter paciência! O Grande Butch rebate dizendo que são cólicas. E assim, envoltos em preocupações sobre a saúde do bebê, os assaltantes escapam da polícia.
Outros contos geniais são O Idílio de
Sara Brown (uma variação do tema da conversão amorosa), Romance Tempestuoso (um dos casamentos
mais divertidos da literatura mundial) e O Rapto de Bookie Bob (exemplo clássico de que nem sempre as
coisas acontecem como o planejado).
As editoras brasileiras estão em dívida
com Damon Runyon – um escritor muito divertido! E que precisa – urgentemente – ser conhecido por todos aqueles que gostam de um texto fluente, repleto de situações inusitadas.
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