Infelizmente, a escritora argentina Claudia
Piñeiro ainda é pouco conhecida no Brasil. Alguns anos atrás, o excelente As
Viúvas das Quintas-feiras passou completamente despercebido pelos leitores
brasileiros. Uma nova chance de conhecê-la surge com a publicação de Tua, um
texto que parte da crítica portenha considera como o seu melhor trabalho.
Tua não pode ser classificada como uma
narrativa policial convencional. Em uma Buenos Aires cosmopolita, com
personagens de classe media, que não precisam se preocupar com finanças, o
romance se concentra em três pontos principais. Em primeiro plano está a figura
de Inés Pereyra, esposa apaixonada de Ernesto. Talvez a palavra apaixonada seja
excessiva. Igualmente excessivo é o ciúme que Inés sente pelo marido. Essa
mistura de sentimentos, além da necessidade quase patética de manter as
aparências sociais, cria uma atmosfera bastante intensa, propícia para gerar desastres
e confusões. Em paralelo corre a história da filha adolescente do casal, Laura
(Lali), que está grávida – o namorado, obviamente, não mostra o mínimo
interesse. Como pano de fundo, mas como ponto fulcral da narrativa, há a
história de Ernesto e suas duas amantes. Enfim, Tua possui características
típicas das narrativas de costume.
A estrutura narrativa é –
aparentemente – complexa. Em alguns momentos, prevalece a voz de Inés, que
conta grande parte das ações em primeira pessoa. Em outros trechos, a narração
é comandada por um narrador impessoal, em terceira pessoa. Nas situações relativas
à história de Laura impera uma estrutura de diálogos, onde o narrador quase
desaparece. Além disso, há momentos em que são relacionados vários documentos –
induzindo o pensamento que o ordenamento narrativo está vinculado com alguém de
origem policial. Apesar desse conjunto de fragmentos apontarem para a confusão,
o texto flui com facilidade diante dos olhos do leitor. Cada capítulo tem
quatro, cinco páginas, no máximo. E o encaixe entre eles contribui para o
dinamismo narrativo.
Com os homens, é mais perigoso um ramo
de flores que um tapa, afirma Inés Pereyra. Essa tese (irrefutável em muitas
ocasiões) encontra a sua comprovação quando Inés segue o marido até um parque
afastado e vê acontecer o inominável. Durante uma discussão, Ernesto empurra
Alicia Soria, sua secretaria e amante, que bate a cabeça em um tronco que estava
no chão e morre. Inés volta para casa. E, mais tarde, de maneira pouco sutil,
avisa o marido que sabe de tudo e que vai acobertá-lo, desde que ele mantenha o
casamento. Obviamente, Inés não sabe “tudo”. Ela não sabe sequer um terço das
complicações em que se envolveu. Enquanto abraça a esposa, Ernesto prepara uma viagem
com Amparo (Charo) Soria, sobrinha de Alicia. Utilizando como desculpa, o
trabalho, embarca para o Brasil. Inés o segue até o aeroporto e vê o marido
beijando a amante.
Segundo Inés, A gente está preparada
para ser sacaneada por um homem, isso é um clássico. E, se nunca te sacanearam,
você vai viver o tempo todo com a espada de Dâmocles sobre a cabeça, porque
sabe que um dia, cedo ou tarde, vão te sacanear. Essa reflexão, comum em quem se sente traído, prepara o
contra-ataque. O que, em algum momento, era afeto ou posse ou desejo de
estabilidade, foi sendo substituído, gota a gota, pela necessidade atávica de
obter algum tipo de compensação pelo aviltamento amoroso. Ou seja, Inés, movida
pelo ódio, organiza a forma mais violenta possível para executar a vingança. O
que se segue é a vitória de um conjunto de forças irracionais e que produz um
efeito colateral bastante danoso: a filha de Ernesto e Inés, Laura, que precisa
de toda a ajuda possível, fica esquecida, como se não estivesse em cena. E, de
certa forma, não está. No conjunto de tensões gerado pelo desentendimento entre
seus pais, ela é apenas um estorvo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário