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sexta-feira, 14 de agosto de 2015

TUA

Infelizmente, a escritora argentina Claudia Piñeiro ainda é pouco conhecida no Brasil. Alguns anos atrás, o excelente As Viúvas das Quintas-feiras passou completamente despercebido pelos leitores brasileiros. Uma nova chance de conhecê-la surge com a publicação de Tua, um texto que parte da crítica portenha considera como o seu melhor trabalho.

Tua não pode ser classificada como uma narrativa policial convencional. Em uma Buenos Aires cosmopolita, com personagens de classe media, que não precisam se preocupar com finanças, o romance se concentra em três pontos principais. Em primeiro plano está a figura de Inés Pereyra, esposa apaixonada de Ernesto. Talvez a palavra apaixonada seja excessiva. Igualmente excessivo é o ciúme que Inés sente pelo marido. Essa mistura de sentimentos, além da necessidade quase patética de manter as aparências sociais, cria uma atmosfera bastante intensa, propícia para gerar desastres e confusões. Em paralelo corre a história da filha adolescente do casal, Laura (Lali), que está grávida – o namorado, obviamente, não mostra o mínimo interesse. Como pano de fundo, mas como ponto fulcral da narrativa, há a história de Ernesto e suas duas amantes. Enfim, Tua possui características típicas das narrativas de costume.

A estrutura narrativa é – aparentemente – complexa. Em alguns momentos, prevalece a voz de Inés, que conta grande parte das ações em primeira pessoa. Em outros trechos, a narração é comandada por um narrador impessoal, em terceira pessoa. Nas situações relativas à história de Laura impera uma estrutura de diálogos, onde o narrador quase desaparece. Além disso, há momentos em que são relacionados vários documentos – induzindo o pensamento que o ordenamento narrativo está vinculado com alguém de origem policial. Apesar desse conjunto de fragmentos apontarem para a confusão, o texto flui com facilidade diante dos olhos do leitor. Cada capítulo tem quatro, cinco páginas, no máximo. E o encaixe entre eles contribui para o dinamismo narrativo.

Com os homens, é mais perigoso um ramo de flores que um tapa, afirma Inés Pereyra. Essa tese (irrefutável em muitas ocasiões) encontra a sua comprovação quando Inés segue o marido até um parque afastado e vê acontecer o inominável. Durante uma discussão, Ernesto empurra Alicia Soria, sua secretaria e amante, que bate a cabeça em um tronco que estava no chão e morre. Inés volta para casa. E, mais tarde, de maneira pouco sutil, avisa o marido que sabe de tudo e que vai acobertá-lo, desde que ele mantenha o casamento. Obviamente, Inés não sabe “tudo”. Ela não sabe sequer um terço das complicações em que se envolveu. Enquanto abraça a esposa, Ernesto prepara uma viagem com Amparo (Charo) Soria, sobrinha de Alicia. Utilizando como desculpa, o trabalho, embarca para o Brasil. Inés o segue até o aeroporto e vê o marido beijando a amante.

Segundo Inés, A gente está preparada para ser sacaneada por um homem, isso é um clássico. E, se nunca te sacanearam, você vai viver o tempo todo com a espada de Dâmocles sobre a cabeça, porque sabe que um dia, cedo ou tarde, vão te sacanear. Essa reflexão, comum em quem se sente traído, prepara o contra-ataque. O que, em algum momento, era afeto ou posse ou desejo de estabilidade, foi sendo substituído, gota a gota, pela necessidade atávica de obter algum tipo de compensação pelo aviltamento amoroso. Ou seja, Inés, movida pelo ódio, organiza a forma mais violenta possível para executar a vingança. O que se segue é a vitória de um conjunto de forças irracionais e que produz um efeito colateral bastante danoso: a filha de Ernesto e Inés, Laura, que precisa de toda a ajuda possível, fica esquecida, como se não estivesse em cena. E, de certa forma, não está. No conjunto de tensões gerado pelo desentendimento entre seus pais, ela é apenas um estorvo.

Tua é um romance inteligente sobre traições conjugais, chantagens, alienação emocional e desejos que não consideram o Outro. Além disso, apresenta boas reviravoltas narrativas e um final criativo.  

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