Umberto Eco, um dos maiores provocadores
da literatura contemporânea, está de volta. Sua última (por enquanto) produção,
o romance Número Zero, não está no mesmo nível qualitativo de textos como O
Nome da Rosa ou O Pêndulo de Foucault, mas consegue criar um interessante
alvoroço. Desta vez, o escritor italiano aposta na composição de um (na falta
de melhor expressão) manual de maldades jornalísticas.
Jornalistas são mercenários da
informação. Partido desse princípio, Número Zero aborda as teorias conspiratórias com uma propriedade rara. Além disso, no
centro do romance há uma discussão sobre o quanto os noticiários estão ligados ao
conceito de mercadoria. Algo sobre o interesse econômico estar acima da consciência
profissional. E isso significa que tudo (é importante frisar isso, tudo) o que
é publicado nos jornais está sob suspeita. De acordo com o narrador, A
questão é que os jornais não são feitos para divulgar, mas para encobrir as
notícias. Traduzindo: o jornalismo é uma fábrica de mentiras. Os muitos interesses
em jogo produzem necessidades específicas. E nenhuma delas está relacionada com
o esclarecimento de alguns fatos ou com algo que se aproxime do conceito
utópico de verdade (seja lá o que isso for!). Normalmente, o que se pretende é construir
alguma tese (ou seja, um dossiê) que possa ser utilizada para obter alguma
vantagem. Qualquer semelhança com palavras como chantagem não é mera
coincidência.
Umberto Eco |
Colonna, o narrador, protótipo do escritor
de aluguel, desses que vivem de serviços pouco recomendáveis, inclusive na função
de ghost-writer, aumenta a própria renda escrevendo para alguns jornais. Em
determinado momento, vítima da instabilidade financeira, aceita trabalhar na
equipe de redatores reunida por um sujeito pouco confiável chamado Simei (que
não passa de “laranja” de um milionário). Colonna, além de ajudar os redatores,
deveria escrever um livro, as memórias de um jornalista sobre o período em
trabalhou em um jornal que nunca será publicado.
Tudo se complica quando outro
jornalista, Braggadocio, conta para Colonna estar investigando a possibilidade de
Mussolini ter sobrevivido ao fim da Segunda Guerra Mundial. Essa mistura de improbabilidades,
inclusive com a utilização de um sósia de Il Duce, ganha corpo na medida em
que é contrastada com a história italiana contemporânea. Diz Braggadocio, E
essa é a minha história, praticamente reconstruída: a sombra de Mussolini, dado
por morto, domina todos os acontecimentos italianos de 1945 até hoje, eu diria,
e sua morte de verdade desencadeia o período mais terrível da história deste
país, envolvendo stay-behind, CIA,
Otan, Gladio, loja P2, máfia, serviços secretos, altos-comandos militares,
ministros como Andreotti, presidentes como Cossiga e, naturalmente, boa parte
das organizações terroristas de extrema esquerda, devidamente infiltradas e
manobradas.
Benito Amilcare Andrea Mussolini |
Como compete a esse tipo de ficção que
flerta com o realismo politico, Braggadocio acaba assassinado em uma rua pouco
iluminada. A equipe se dissolve. Todos fogem. Sobram apenas suspeitas de algo
significativo aconteceu – mas que ninguém conseguiu perceber o quê.
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