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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

NÚMERO ZERO

Umberto Eco, um dos maiores provocadores da literatura contemporânea, está de volta. Sua última (por enquanto) produção, o romance Número Zero, não está no mesmo nível qualitativo de textos como O Nome da Rosa ou O Pêndulo de Foucault, mas consegue criar um interessante alvoroço. Desta vez, o escritor italiano aposta na composição de um (na falta de melhor expressão) manual de maldades jornalísticas.

Jornalistas são mercenários da informação. Partido desse princípio, Número Zero aborda as teorias conspiratórias com uma propriedade rara. Além disso, no centro do romance há uma discussão sobre o quanto os noticiários estão ligados ao conceito de mercadoria. Algo sobre o interesse econômico estar acima da consciência profissional. E isso significa que tudo (é importante frisar isso, tudo) o que é publicado nos jornais está sob suspeita. De acordo com o narrador, A questão é que os jornais não são feitos para divulgar, mas para encobrir as notícias. Traduzindo: o jornalismo é uma fábrica de mentiras. Os muitos interesses em jogo produzem necessidades específicas. E nenhuma delas está relacionada com o esclarecimento de alguns fatos ou com algo que se aproxime do conceito utópico de verdade (seja lá o que isso for!). Normalmente, o que se pretende é construir alguma tese (ou seja, um dossiê) que possa ser utilizada para obter alguma vantagem. Qualquer semelhança com palavras como chantagem não é mera coincidência.

Umberto Eco
Colonna, o narrador, protótipo do escritor de aluguel, desses que vivem de serviços pouco recomendáveis, inclusive na função de ghost-writer, aumenta a própria renda escrevendo para alguns jornais. Em determinado momento, vítima da instabilidade financeira, aceita trabalhar na equipe de redatores reunida por um sujeito pouco confiável chamado Simei (que não passa de “laranja” de um milionário). Colonna, além de ajudar os redatores, deveria escrever um livro, as memórias de um jornalista sobre o período em trabalhou em um jornal que nunca será publicado.

Tudo se complica quando outro jornalista, Braggadocio, conta para Colonna estar investigando a possibilidade de Mussolini ter sobrevivido ao fim da Segunda Guerra Mundial. Essa mistura de improbabilidades, inclusive com a utilização de um sósia de Il Duce, ganha corpo na medida em que é contrastada com a história italiana contemporânea. Diz Braggadocio, E essa é a minha história, praticamente reconstruída: a sombra de Mussolini, dado por morto, domina todos os acontecimentos italianos de 1945 até hoje, eu diria, e sua morte de verdade desencadeia o período mais terrível da história deste país, envolvendo stay-behind, CIA, Otan, Gladio, loja P2, máfia, serviços secretos, altos-comandos militares, ministros como Andreotti, presidentes como Cossiga e, naturalmente, boa parte das organizações terroristas de extrema esquerda, devidamente infiltradas e manobradas.

Benito Amilcare Andrea Mussolini
Como compete a esse tipo de ficção que flerta com o realismo politico, Braggadocio acaba assassinado em uma rua pouco iluminada. A equipe se dissolve. Todos fogem. Sobram apenas suspeitas de algo significativo aconteceu – mas que ninguém conseguiu perceber o quê.

Então é isso: as 207 páginas de Número Zero, narradas em primeira pessoa, simulam uma mistura confusa entre romance policial, thriller e algumas lições de historiografia. Simultaneamente, entre incontáveis citações literárias (que povoam o texto e propõem um pouco de diversão para o leitor “avançado”), há muitas discussões inteligentes sobre paranoia e ética. Se não fosse por isso, e a inegável competência narrativa de Umberto Eco, seria difícil deixar de comparar Número Zero com algum dos livros (descartáveis) de Dan Brown.

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