Na metade dos anos 70 do século passado, João Argon Preto de Oliveira foi meu professor de desenho geométrico no Centro Educacional Vidal Ramos Júnior. Como era comum naqueles tempos tenebrosos, a autoridade do Mestre não podia ser questionada. Cabia aos alunos silenciar quaisquer diferenças e cumprir com as tarefas escolares no prazo determinado. Caso contrário, os pais ou os responsáveis eram chamados na escola – o que caracterizava, na época, uma vergonha familiar (normalmente punida com surra de cinta, tão logo o infrator chegasse em casa).
Nunca tive habilidades motoras para manejar com destreza o tira-linhas e a tinta nanquim. Então, apesar de inúmeras tentativas, meus desenhos apresentavam borrões, manchas e linhas que não eram retas ou circulares. Isso significa que contribuí para um festival de olhares de reprovação e notas vermelhas. Fiquei aliviado (para dizer o mínimo) quando essa tormenta passou e deixei de ter aulas de desenho.
Passei um longo tempo sem o ver. Nossos caminhos se tornaram divergentes, inclusive por razões políticas. Trinta anos depois ou mais, desta vez ciente da importância do ex-professor na história do vilarejo, se tornou frequente encontrá-lo em algumas atividades sociais e culturais. Tínhamos vários amigos em comum. Algumas vezes conversamos em A Sua Livraria ou em algum lugar no centro do povoado (ele morava na Rua Presidente Nereu Ramos). Eram conversas amenas, cada um evitando as asperezas, os pontos de atrito. Falávamos sobre literatura, música e artes em geral. Era comum vê-lo da companhia da esposa (tinham o costume de sair para caminhar com os cachorros).
E era isso. Mantínhamos uma distância educada. De qualquer forma, o que devo destacar é que depois da pandemia não mais o vi. Imagino que, nesse quase um ano de isolamento social, ele respeitou a quarentena e ficou em casa. Mas isso é apenas uma hipótese.
Hoje pela manhã (16 de janeiro) as redes sociais anunciaram o seu falecimento. Tinha 89 anos e estava hospitalizado em razão de uma cirurgia. Com sua ausência, uma parte da história de Lages se perde.
Morando em Lages desde 1954, foi o primeiro arquiteto da região. Projetou alguns dos principais edifícios da área central da aldeia, reformulou praças e foi o responsável pela ampliação do prédio da Prefeitura. Enfim, abriu várias frentes de trabalho em uma região que se caracterizava por propostas habitacionais mal dimensionadas e sem preocupação com materiais e acabamento. Também estabeleceu as bases do planejamento urbano local – tentativa de evitar o crescimento habitacional desordenado.
Requiescat in pace, João Argon Preto de
Oliveira.
Ahhh professor! Um mestre descrevendo outro! Que momentos mágicos os dois me proporcionaram, um na contabilidade e outro nas letras! Ícones jamais esquecidos!
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