Páginas

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

DIÁRIO DA QUARENTENA (CLXXXIII)

 


Ano novo e vida nova. Este vaticínio não se cumprirá. Desculpem-me acenar para a falta de esperança. Ocorre que, descontando o poder simbólico que envolve a data, festejou-se mera translação ao redor do sol (365,256363 dias solares com a velocidade orbital média de 29,78 km/s). Repetição monótona do fenômeno cósmico que teve origem no Big Bang e na formação da Via Láctea.

Não bastasse, seja por ignorância, seja por má fé, há quem goste de omitir que indígenas, chineses, árabes e judeus, entre outros povos, contam o tempo de forma diferente do calendário gregoriano (instituído em 1582, em substituição ao calendário juliano, que iniciou em 45 a.C.). 

O que acontecerá, nos primeiros dias de 2021 – e depois –, é simples: as pessoas continuarão cometendo as mesmas bobagens dos anos anteriores – embora façam questão de se alimentarem da promessa romântica de que o amanhã será diferente.

Subtraindo esses percalços, cabe preservar o fôlego e a sanidade – apesar do zeitgest (espírito do tempo) conspirar contra. A prática social dos humanos se (des)equilibra na irracionalidade como norma de conduta.            

Os grupos apocalípticos estão, a todo instante, recordando que as gerações nascidas no século passado foram atropeladas por uma serie de catástrofes. Tornou-se difícil sobreviver ao sucateamento da indústria cultural, ao aperfeiçoamento dos sistemas de controle e vigilância do Estado, à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, ao sete a um, ao neofascismo e, por fim, ao Covid-19 (metáfora assustadora do "dia da marmota" ou da saga de Vladimir e Estragon, aqueles que estão esperando por alguém que jamais chegará). Similar às roupas de festa, basta escolher a hecatombe que for mais adequada ao gosto do freguês. Todas são prêt-à-porter.

Cronos (Κρόνος), representado por uma foice, está à espreita e, em conluio com Thanatos (Θάνατος), certifica que ninguém está a salvo. Os heróis, que são surdos ao óbvio, usualmente são os primeiros a ser abatidos em combate. Aos demais envolvidos nessa trama, alegrar inocência e chorar pela má sorte não resolve nada.

Eros (ἔρωςsurge como uma resposta ao pessimismo. Quem quer saber das ruínas quando o gozo se apresenta como válvula de escape? Carpe diem, quam minimum credula postero (aproveite o dia, sem se preocupar com o amanhã) se tornou um mantra contemporâneo e movimenta todos aqueles que adotaram o negacionismo em tempos de pandemia. São esses os que sonham em ganhar na loteria – sem ter apostado.

Em paralelo, milhares de livros, fotos, peças de teatro, filmes e outras atividades artísticas (misturando a realidade e a ficção) estão sendo produzidos e difundidos nas diversas formas de mídia. Se ninguém consegue escapar do destino, que pelo menos se possa desfrutar da ilusão de que a eternidade está contida na arte.

A luta, em 2021, está carregada de nuances. Sem esquecer que Viver é muito perigoso, como afirmou, em tempo pretérito, Riobaldo Tatarana.

O mês de janeiro (Ianuarius) é uma homenagem ao deus romano Janus (aquele que está olhando, simultaneamente, para frente e para trás, para o futuro e para o passado). Também é o primeiro mês do resto de nossas vidas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário