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quinta-feira, 26 de agosto de 2021

TRÊS CENAS URBANAS

 


1

Fui à padaria. Escolhi uma que fica longe do lugar onde moro. Caminhar nas tardes de domingo se tornou um hábito. Vi as duas pessoas próximas do supermercado, lá na Avenida Presidente Vargas. Um rapaz e um homem. Talvez pai e filho ou, em outra hipótese, irmãos com grande diferença de idade. O mais velho caminhava, o mais novo estava de bicicleta. Na medida em que me aproximei deles um detalhe chamou a atenção: aquele que estava caminhando segurava o guidão, garantindo o equilíbrio da bicicleta. Conjecturei que poderia haver algum problema entre eles. Não consegui identificar o quê. De qualquer forma, não era da minha conta. Então, como a vida tem as suas urgências e a mais importante, naquele instante, era colocar o pão na mesa, segui em frente. Dos dois guardei uma imagem que foi se dispersando rapidamente.

Voltei por caminho diferente. Escolhi a XV de Novembro e a Fernando Athayde. Na Walmor Ribeiro, por uma dessas coincidências que nos atropelam a cada instante, os encontrei outra vez. O rapaz pedalava suavemente e sem ajuda. Esporadicamente, aquele que estava caminhando colocava a mão no ombro do outro. Havia uma cumplicidade explícita na cena. Imaginei que o mais velho talvez quisesse dizer, sem emitir palavras, que sempre estaria por perto, a protegê-lo, a impedir que ele se machucasse.

Ao longe, o entardecer se aproximava.    

 

2

Sai para comprar máscaras descartáveis. Na Rua Quintino Bocaiúva atendi ao telefone. Minha ilustre Auxiliar para Assuntos de Limpeza Doméstica (AALD), que não poupa palavras, começou a descrever as agruras da vida, a falta de dinheiro, um pagamento que tinha para receber e que ainda demoraria alguns dias. Típico preâmbulo para pedir um adiantamento. Escutei com paciência a ladainha. Faz parte da confusão que nos une. Em determinado momento da conversa, talvez para tentar diminuir a "facada", falei:

– Tenho R$ 50,00 na carteira. Se você quiser, é teu.

Antes que ela respondesse, um senhor (que estava na porta de uma loja e que não é meu conhecido) entrou na conversa e disse:

– R$ 50,00? Então me empresta R$ 49,00?

Fiquei um segundo sem saber o que estava acontecendo. Que maluquice! Rapidamente, recuperei o controle da situação e, apontando o telefone, avisei ao “pedinte”:

– Desculpe-me, não posso te emprestar, ela pediu primeiro!  

Ele riu e entrou na loja. Eu voltei à conversa com a AALD. Infelizmente, o prejuízo foi maior do que os R$ 50,00.

 

3

Na fila do restaurante, alguém me pergunta:

– Você ainda mora no São Miguel?

O quê? Nunca morei lá! Aliás, não devo ter visitado o bairro mais de duas vezes na vida. Diante da minha perplexidade, ele baixou a máscara e mostrou o rosto.

– Você não se lembra de mim? Fui candidato a vereador!

Não o reconheci. Talvez seja algum problema relacionado com a idade ou à memória, não sei, talvez seja somente uma confusão, dessas que acontecem no dia a dia, quem sabe? Fiquei surpreso com a cena. Será que tenho um Doppelgänger (duplo, sósia) no São Miguel?

 

 

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