Existem outras formas de entender os acontecimentos que constituem a identidade de Lages. Ao lado dos relatos pessoais, memórias, recordações, há uma série de contribuições histórico-ficcionais. Esse conjunto de informações talvez não esclareça objetivamente muitas coisas, mas permite uma visão panorâmica menos apegada à emoção ou aos sentimentos de pertença.
O explorador alemão Robert Christian Barthold Avé-Lallemant (1812 - 1884), depois que foi atingido por um coice de mula, precisou passar algum tempo em Lages. Em Viagens pela Província de Santa Catarina, Paraná e São Paulo (possivelmente escrito em 1858), afirma que foi hóspede de Jorge Trueter, que morava na Rua Direita (atual Rua Nereu Ramos). A vila contava com cerca de 500 habitantes, umas duas ou três ruas e edificações precárias. Foi bem tratado, mas... foi incapaz de suportar as agruras da época, principalmente a falta de conforto. Também foi crucial para que desgostasse da região a guerra sem quartel que os indígenas e os fazendeiros estavam travando.
O escritor paulista Paulo de Oliveira Leite Setúbal (1893 – 1937), por recomendação médica, morou em Lages, em 1919. Hospedou-se na casa de seu irmão, João Batista Setúbal, proprietário do Armazém Paulista, que estava localizado no meio da primeira quadra da atual Rua Benjamin Constant. Embora tenha obtido sucesso como advogado, escrito alguns dos poemas que integram um dos seus livros mais famosos, Alma Cabocla, frequentado festas e eventos sociais, suas impressões sobre a região não são muito simpáticas. Estão publicadas em Confiteor, o seu livro de memórias (1937).
O protagonista do conto Grama Leve (2013), de Ettore Michele di San Fili Bottini (1948-2013), visita (ficcionalmente) Lajes (sic) em 1946. Na companhia do pai exuma o corpo de um familiar, morto em uma briga. No romance Eu queria que você soubesse (2015), de Marcos Kirst, um caminhoneiro está a 100 km de Vacaria. Nesse percurso entre um lugar e outro, revisita os anos 60 e 70 do século passado. Santiago Nazarian situa o seu romance Neve Negra (2017) em lugar impreciso, a fictícia Trevo do Sul, na Serra Catarinense: Talvez seja Lages. Talvez.
Guido Wilmar Sassi (1922 – 2002), nos livros de contos Piá (1953) e Amigo Velho (1957), não economiza na descrição lírica de uma paisagem que foi destruída pela ganância predatória. Em Os 7 Mistérios da Casa Queimada (1989) escolhe outra abordagem. A cidade de Gales (anagrama de Lages) serve de moldura para os conflitos de uma família disfuncional.
Em Márcio Camargo Costa (1939-2011), o Planalto Catarinense é dissecado com ironia, crítica social e certo desprezo pela modernidade. Nos seus livros prevalece a recuperação de causos orais, ao mesmo tempo em que estabelece uma nova mitologia para o período áureo do ciclo da madeira. Publicou O gaudério de Cambajuva (1986), A caudilha de Lages (1987) e Qüeras (1994).
Edézio Nery Caon (1921-1982) foi outro que não levou Lages a sério. Em A Academia (1977) e A Faculdade (1977) não desperdiçou a ocasião de fazer sátira. Em Estórias de minha cidade (1978), usa outro tom e recupera uma parte da história urbana que não consta dos registros de sucesso da cidade.
A prosa de Júlio Corsetti Malinverni também acrescenta elementos ao contexto. Tendo com centro a Coxilha Rica, O Morro do Surrão (1985) e Luzes do tempo (1996) evocam uma série de “causos”, daqueles que nossos avós contavam ao redor do fogão de lenha, nas noites de inverno.
Leituras mais distantes (embora próximas afetivamente, porque a vida do campo está em primeiro plano) podem ser encontradas nos contos de Edson Nelson Ubaldo (que nasceu no Cerro Negro em 1940, época em que aquela região era parte do município de Lages). Escreveu Bandeira do divino (1977), Rédea trançada (1980), O voo da coruja (1988), entre outros.
Outras visões sobre Lages e o Planalto Catarinense estão presentes em diferentes autores e livros. O mesmo se pode dizer de filmes e documentários. Mas isso é assunto para outra oportunidade.
Valeu Raul. Quanta informação boa. Mas gosto de revisitar a terrinha pessoalmente e pelos teus escritos. Abraço. Bada.
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