Vestindo a bombacha suja, arregaçada na perna esquerda, tomando a sua cervejinha básica de toda hora, ali no balcão do bar Grenal, Adalberto Medeiros Silva e Souza, o Betão da Penha, viu Miosótis passar. Quer dizer, naquele momento, ele não sabia que a moça se chamava Miosótis, mas com aquele ar de delicadeza só podia ter nome de flor.
Betão deixou sobre o balcão uma nota de dez reais e, tastaviando, saiu à rua. A mulher tinha desaparecido na multidão. Quer dizer, pela rua caminhavam umas cinco ou seis pessoas, mas nenhuma delas era Miosótis. Como acontece nesse tipo de situação, a ausência instalou uma fenda no peito de nosso herói. Buraco que ele tentou preencher com um Amazonas de cervejas, quando voltou ao balcão do boteco. Só tentou. Um sentimento complicado impediu a inundação. Será possível sentir saudades de uma mulher que lhe era − até aquele momento − estranha?
Betão sentiu medo. Para aquele que anulava os finais de semana domando touro e cavalo, medo era uma palavra difícil de aceitar. E, por mais estranho que isso possa parecer, Betão estava com medo. Medo de se apaixonar.
Foi então que o seu olhar, até aquele instante vago e incerto, se encheu de alegria e esperança. Ele viu, na parede do bar, um cartaz da festa do Pinhão. Não sei se foi a cerveja, o destino ou pura sorte, mas ele teve a premonição, naquele instante, de que Miosótis estaria lá, na festa. Recuperou a consciência e a lucidez. E tomou uma decisão. Iria à festa. Iria encontrar aquela prendinha mimosa qui nem orquídea na encosta da serra, qui nem pelego em noite di inverno, qui nem....
Para comemorar essa decisão, solicitou ao garçom uma garrafa de água mineral. Sem gás. O garçom ficou apavorado com o inusitado do pedido.
Durante a semana, com o olhar de cachorro pidão, Betão aguardou. Aguardou pelo dia da festa. A espera corroeu a alma, atiçou a úlcera que cultivava com carinho e o tornou irritadiço. A isso devemos acrescentar outros horrores: roeu unhas, se alimentou mal, empalideceu. Como um personagem romântico, sofreu de amores.
No sábado, por cima da camisa de seda amarela, fez questão de usar um lenço colorado. E assim vestido, como um piá que vai para a primeira comunhão, esticou as canelas até o Parque de Exposições do Conta Dinheiro.
Mal chegou lá, encostou-se no primeiro balcão que viu e, pra firmá o purso e diminuí o nervoso, pediu um liso de cachaça. Depois, tomou uma cerveja − para rebater.
E teria ficado ali durante uma eternidade se não tivesse encontrado um amigo de infância. Começaram a contar causo dus antigamente. Betão se distraiu e a conversa ficou loca di especiar, qui nem dinhero achado.
Depois de umas dez cervejas e duas porções de linguiça frita, Betão foi procurar pela futura namorada. Queria conquistar aquele coraçãozinho de gazela.
No quiosque do Gervásio pediu um engradado de cerveja e disse, em alto e bom tom, para quem quisesse ouvir, que o amor precisa ser comemorado como uma dádiva divina. Em seguida, mandou distribuir pra xiruzada macanuda metade das ampolas. A outra metade fez corredeira na garganta de Betão. Pelo entusiasmo, poder-se-ia dizer que o cara estava disposto ao crime.
Isso era apenas aparência – tanto que Betão estava bebendo para afogar as mágoas. Em sua mente, a vida parecia letra de bolero. Só faltava ouvir as vozes de Lucho Gatica e Altemar Dutra: El día que me quieras / la rosa que engalana se vestirá de fiesta con su / mejor / color.
Pediu mais alguns quilos de cerveja, vários centímetros de cachaça e diversas coxinhas de galinha (uma gota de óleo escorreu pela camisa). Algum tempo depois, debruçado sobre a mesa de metal, babando ligeiramente, entrou em coma alcoólica.
Foi nesse instante que Miosótis, na companhia de amigos, sentou-se próxima da mesa onde o esqueleto de Betão da Penha roncava. Com voz de puro veludo, a garota pediu um guaraná diet. E, intimamente, lamentou não ter namorado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário