Verdolino estava desconfiado de que o seu casamento estava próximo do fim. Motivos para que essa suspeita se confirmasse não faltavam. As repetidas dificuldades com seus deveres nos assuntos domésticos de cama, mesa e banho não estavam ajudando.
Embora nunca tivesse tido o mais ínfimo motivo para duvidar da fidelidade da ilustre consorte – e que tivera o azar de casar com ele –, sentiu que o vento poderia mudar a qualquer instante e...
O alerta vermelho disparou no momento em que viu (ou imaginou) o olhar de cobiça da esposa: um pós-adolescente (calção de futebol e sem camisa) limpava um terreno baldio próximo.
Verdolino, meia idade, barrigudo e alcoólatra não tinha cacife para competir com um rapaz bonito, bem alimentado e que, provavelmente, frequentava alguma academia.
A partir desse instante, começou a dormir mal. Nos pesadelos recorrentes, a esposa protagonizava cenas inacreditáveis com diversos parceiros. O sujeito acordava encharcado em suor.
Diz a sabedoria popular que o ciúme trabalha com lentidão, macerando o veneno, injetando-o na corrente sanguínea dos infelizes. Quem há de duvidar?
No boteco do Frajola, tentou – incontáveis vezes – afogar a crise emocional com cerveja e cachaça. Tudo o que conseguiu foi uma série interminável de ressacas.
Um dia, próximo do desespero, desabafou com o Zé Currumaça. Contou que estava ficando encurvado. O medo de estar carregando um par de chifres pesava uma tonelada.
O amigo ouviu atento. Depois, quando o silêncio substituiu aquela saraivada de desespero, decretou:
– Vancê precisa marcá uma consurta com Madami Ismerarda. Ela lê o futuro no Tarô. Cê sabe, as carta não mente!
Sem saber resolver os problemas do cotidiano pelas vias da razão, o sujeito se deixou arrastar até o covil, digo, o templo da famosa cartomante.
Enquanto aguardava pela leitura dos desígnios do destino, envolto em uma mistura de incenso de patchouli com flores mortas, Verdolino se sentiu mal e quase vomitou.
– Sou um fraco, reconheceu para o amigo (que parecia imune àquele festival de aromas desagradáveis).
O cenário pouco arejado, digamos assim, acionou o gatilho da imaginação. Era como se ele estivesse participando de algum velório, provavelmente o próprio féretro.
– Cuidado c’as visage, avisou Zé Currumaça.
– Quero ir embora, disse Verdolino.
– O quê? Num vai isperá pelas carta?
– Não quero saber mais disso. Quero ir para casa.
– Quequiéisso? Vancê tá perdendo as estribeira?
– ?!?!?!
– Nóis veio cá prá vê as carta e nóis vai vê essa porquera. Num seje jaguara e sussegue o facho!
Sem alternativa, o infeliz sentou no primeiro banco mocho que encontrou. Levou as mãos ao rosto e chorou. Um choro lento, amargurado, e que foi aumentando a cada segundo até desaguar em histeria.
Entre um soluço e outro, Madame Esmeralda apareceu subitamente ao lado de Verdolino e pousou o braço no ombro do sujeito.
O susto foi monumental. O descontrole urinário, também.
Ao perceber que havia molhado a roupa, Verdolino mergulhou na catatonia. Foi preciso chamar o SAMU. Ficou internado no hospital três dias.
Antes de voltar para o lar doce lar chamou um corretor de imóveis, queria vender a casa. E assim foi feito. Foi morar, com a esposa, no subúrbio.
Encostado na porta do bar Grenal, mascando um pedaço de gengibre, Betão da Penha acompanhou a chegada da mudança. A vida está repleta de surpresas, disse para si mesmo. E ficou alegre – como talvez possa ficar alegre o leão baio quando decide qual é a ovelha que vai devorar.
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