– Sinto falta das garrafas vazias que – para desespero de meu pai – troquei por picolé e sorvete.
– A caneca esmaltada, onde costumava beber água e/ou leite não está mais no armário da cozinha.
– Não encontro no guarda-roupa as calças de brim curinga e a japona que usava nos dias de frio. O All Star preto, a conga e o kichute sumiram no tempo e no espaço.
– Nunca mais vou rever aquela professora do primário, o primeiro anjo a povoar os meus sonhos inquietos.
– O mundo estava dividido em dois grupos: de um lado, colorados; do outro, Guarani até debaixo d’água. Passe de Pelé para Carlos Alberto, na exibição de gala no Estádio Azteca (4 x 1), em 21 de junho de 1970. Gols de Sócrates e Eder Aleixo, em diversos momentos, a televisão preto e branco (Bombril na antena interna?), os gritos de alegria.
– As noites sem fim no Portuga’s e no Aeroclube. Os bailes de Carnaval no Clube 14 de junho, no Princesa da Serra, no Caça e Tiro.
– Capilé, groselha, gasosa, Crush – bebidas que deixaram um sabor que nunca serão recuperados.
– Não é mais possível brincar de faroeste, momento em que imitava os caubóis da matinê do Cine Tamoio, no domingo. Diamante Negro, Mentex, Pirulito Zorro e balas azedinhas eram imprescindíveis para acompanhar o filme (não todos esses doces, apenas o que fosse possível). No final da tarde, se sobrasse algum dinheiro, comprar revista em quadrinho (Batman, Super−Homem, Pato Donald).
– Plínio Luersen era o ás do volante da época. Seus adversários "comiam poeira".
– O tormento acompanhava a Emulsão Scott (óleo de fígado de bacalhau), o Biotônico Fontoura e as pílulas de vida do Dr. Ross. No armário de remédios, o Merthiolate e a pomada Minancora prometiam nunca nos abandonar.
– Qual é a diferença entre os fermentos Fleischmann e Royal – que eram comprados "na caderneta", lá na mercearia da esquina?
– O sino da Catedral, a sirene da Rádio Clube – sons a nos recordar que a vida escorre incansável pelas ruas da cidade.
– Doce de gila, compota de pêssego, figo em calda, goiaba serrana, butiá colhido na árvore.
– Perdidos no Espaço, Família Dó Re Mi, Gunsmoke, Os Waltons, Kojak, Ilha da Fantasia, Jeannie é um Gênio, A Feiticeira, Agente 86, Thunderbirds, As Panteras, Jornada nas Estrelas, Cyborg – o homem de seis milhões de dólares, Anos Incríveis.
– Amargarei até o fim de minha vida não ter aprendido a nadar. Não sei andar de bicicleta. Não tenho canivete (certa vez comprei um Vitorinox, que perdi em situação tola).
– Neil Armstrong pisou na lua e, diante da televisão, não acreditei. Na imaginação, esse tipo de façanha somente poderia ser protagonizado por Flash Gordon.
– Gostaria de reencontrar aquelas meninas que, nas manhãs de domingo, frequentavam a missa das dez. (Ir à missa não era questão de fé: elas iam namorar; eu, na doce ilusão de que uma delas namoraria comigo).
– Pastelão da Petisqueira. Carrinho de X do Luís (ao lado do Correio). Cervejas no Texas Burguer.
– Álbum de figurinhas, coleção de selos, cartões postais.
– Ninguém lamenta o desaparecimento do salão de sinuca do Clube 14 e do Rei do Frango. Tiveram o mesmo destino, sem choro nem vela, o Canto Jovem de A Barateira, a Magnetron, o Café Ouro, o Lanchik, o Marroquinos, o PX Lanches.
– Os irmãos mais velhos dos amigos (acima de 17 anos) dirigiam Karmann Ghia e bebiam Cuba Libre, Hi−Fi ou Porta Aberta.
– Meu avô, lá na Coxilha Rica, contava dezenas de causos de assombração – momentos em que o terror e o lúdico se confundiam. Jamais vou recuperar aquela alegria.
– O sonho de todo motorista era dirigir um Fenemê.
– Meu pai fumava duas carteiras diárias de Continental (sem filtro).
– Quem, nos dias de hoje, consegue aquilatar o prazer que era ler as aventuras de Winnetou e Mão de Ferro, heróis literários criados por Karl May?
– Nas festinhas, a radiola portátil tocava – sem parar − Jerry Adriani, Wanderléia, Os Mutantes e outros menos cotados pela Contigo e pela Sétimo Céu. Em outro momento, Bento Mondadori (e o seu Suco de Imaginação) disputava a atenção da cidade com os músicos que cantavam as dez mais da Califórnia da Canção. Em paralelo, os alternativos ensurdeciam o mundo com Rick Wakeman, Pink Floyd, Janis Joplin e Rolling Stones.
– Uma multidão (encostada no muro, do outro lado da rua) esperava pela saída da sessão das oito do Cine Marrocos.
(O passado é uma ilusão bonita – principalmente quando a inventamos, quando misturamos o tempo e as situações. Somos órfãos do caminho que escolhemos trilhar).
Nenhum comentário:
Postar um comentário