Pedro era fanático por futebol. Adriana perdeu a conta das vezes em que foi trocada por uma pelada. Bastava os amigos acenarem com a possibilidade de uma partidinha que Pedro logo ia tirando a roupa, digo, vestia calção, meião, chuteira e camiseta. Uniformizado, se dirigia para o campinho, ali ao lado do bar e mercearia Grenal.
Para a maioria do pessoal, o futebol era mero pretexto para, depois do bate-bola, beber cerveja, enganar a fome com algum tira-gosto e atualizar a velha e batida conversa sobre conquistas amorosas. Todos tinham histórias sobre aventuras e desvarios com a mulher mais bonita do planeta. Pedro, sempre discreto nessas horas, baixava a cabeça e, entre um gole e outro de água mineral (sem gás!), esperava os ânimos serenarem. Só um assunto o interessava: futebol. Aliás, sabia tudo sobre o valoroso esporte bretão. Era conhecido como o rei das estatísticas (escalações, placares, incidentes,...). Uma enciclopédia, o rapaz!
Foi graças ao futebol que Pedro conheceu Adriana, a escolhida para ser a sua chefe de torcida. Durante o intervalo de um dos jogos do campeonato amador, embora torcessem por times diferentes, perceberam que, talvez, fosse interessante trocar flâmulas. Dito e feito. Mas, como só o é possível na vida real ou em guerra de torcidas, não foram exatamente felizes para sempre. Pedro vivia nos estádios – ora assistindo aos embates esportivos, ora estufando as redes dos times adversários. Pedro era um homem-gol. Quer dizer... Mais ou menos, porque Adriana cansou de chamar o namorado para realizar alguns amistosos. Nessas partidas o craque preferia o drible e não comparecia em campo!
O desespero da moça foi tão grande que, por sugestão de um pai de santo, sacrificou duas galinhas em uma encruzilhada. Cartomante, simpatias de são João, amarrar santo Antônio de cabeça para baixo, acompanhar novena – tudo em vão! E o namorado, lá no bar, encostado no balcão, tomando água mineral (sem gás!), o “minguinho” esticado, conversando sobre futebol. É um desperdício essa falta de treino, reclamava a moça, ansiosa por alguma goleada. Em um momento de fúria, disse para si mesma: Esse zero a zero não pode continuar.
Adriana vestiu minissaia de couro (segundo Pedro, tão bonita que parece a camisa da seleção) e, rebolando o suficiente para desequilibrar o planeta, aceitou o convite de Adalberto, o Betão da Penha, para ir ao cinema, talvez um barzinho depois, a noite é uma criança, uma tabelinha daqui, um passe milimétrico dali e, quem sabe?, poderia até acontecer uma volta olímpica pelo estádio, a torcida delirante aplaudindo o artilheiro.
Antes do crime, Adriana mostrou que era adepta de formações agressivas. Pediu para uma amiga que marcasse um gol contra: avisar Pedro que a namorada estava promovendo outro campeonato − e que, na qualidade de técnica, ela havia escalado um novo centroavante. No recado, ficou bem claro que se Pedro não melhorasse o condicionamento físico seria excluído do time. Nem no banco ficaria!
Apanhado no contrapé, o craque sentiu que o clima estava esquentando, aquela sensação horrível de levar o gol decisivo aos 48 minutos do segundo tempo. Precisava fazer alguma coisa. Quem sabe, reforçar a defesa?
Não, a tática deveria ser outra! Pelo menos foi esse o conselho que lhe deu Chico Jacaré, o seu melhor amigo, logo depois que tomou conhecimento que Pedro estava na marca do pênalti. Chico Jacaré, um ex-zagueiro do tipo “armário”, conhecido garanhão nas horas vagas, nem pensou duas vezes: mandou o perna de pau enfrentar a parada e dividir a bola; quer dizer, disputar o amor de Adriana. E, com a velha experiência dos cafajestes, recomendou um novo esquema de marcação: uma dúzia de rosas, caixa de bombons e um cartão apaixonado. Essas frescuras custam um pouco caro, mas o placar final compensa o valor do ingresso, arrematou diante do olhar do atleta, perplexo com tamanha sabedoria.
Infelizmente, a bola bateu na trave. A garota, cheia de mágoas, não quis conversa e mandou a encomenda de volta. E, para mostrar quem estava na zona de rebaixamento do campeonato, saiu, no final da tarde, de mãos dadas com o novo namorado. Na pracinha do bairro, mostrou para quem quisesse ver o espetáculo o quanto era carinhosa. O treino esquentou de tal maneira que o Betão da Penha perdeu o fôlego com tamanho potencial de jogo. E olhe que era somente a fase preliminar!
Pedro assistiu o adversário carimbar as faixas roendo as unhas. Inveja, despeito, ódio – todos os sentimentos parecidos com a derrota passaram por sua mente. Pela primeira vez na vida pediu uma dose de cachaça, lá no boteco do Antenor. O líquido desceu queimando a garganta, um estrago sem fim. Depois de três doses, ficou bêbado. Mas, ao contrário do que acontece em filme americano, não conseguiu coragem para ir até lá fora e dar uns socos na cara do canalha que lhe havia roubado a bola, ou melhor, a mulher de sua vida. Na maior cena, idêntico a torcida de time que está em último lugar na tabela da competição, não se preocupou em secar as lágrimas que afloravam pelo rosto – uma cachoeira sem fim.
Mostrando que tudo não havia passado da mais pura catimba, Adriana, ao saber do vexame, abandonou o outro e foi socorrer Pedro. Levou o paspalho para casa, providenciou banho frio, fez massagens, café forte e velou pelo seu sono. Um mês depois estavam vivendo juntos – e marcando incontáveis gols.
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