Em um domingo qualquer de outono. Depois de vários dias de frio, chuva e demais intempéries climáticas, coloquei uma cadeira na sacada do apartamento. Repor a dose de vitamina D, ver carros deslizando pela avenida, atletas de final de semana, adolescentes empinando bicicletas, homens e mulheres passeando com os cachorros. O mundo oscilando entre a harmonia e a diversidade.
Acompanhando o sol tímido, um vento fraco e gelado – que talvez tenha causado as lembranças. São imagens embaçadas, sem nitidez. Dois momentos distintos. Faz muito tempo. Mais de cinquenta anos. Piqueniques.
Aquele que está mais nítido na memória aconteceu em uma espécie de quermesse na Gruta de São Bom Jesus (Bairro Ipiranga). Não recordo se tinha toalha xadrez, formigas, galinha com farofa, garrafas de cerveja, algum refrigerante para as crianças, esse conjunto de clichês que caracterizam a bagunça. Será que alguém estava vendendo rifas de bolos e/ou de churrascos? Barracas com jogos de argolas, tiro ao alvo e roleta estavam estrategicamente dispostas ao redor do santuário? Também não sei se houve missa ou algum tipo de cerimônia religiosa. Alguém soltou fogos de artifício? São muitas as dúvidas e poucas as respostas que as recordações oferecem. O que lembro é mais trivial: minha mãe, sentada no gramado, gritando com os filhos, não faça isso, não faça aquilo, essas crianças vão me deixar louca!
O outro episódio ocorreu no Guará, na região da ponte que leva para a estrada de Morrinhos. Naquele tempo, era possível pescar no rio Caveiras. Fui até a margem, junto com alguns homens. Mas não fiquei lá muito tempo. Como estava atrapalhando, fazendo perguntas e barulho, meu pai me levou de volta para o lugar onde estavam as mulheres e as outras crianças. Por mais esforço que faça, não consigo recordar quem estava presente nessa ocasião. Além da minha família, provavelmente tios, primos, alguns amigos dos adultos. É possível que tenha garoado no meio da tarde.
Na infância, território que percorremos com saudade, nunca é possível afirmar que aconteceu aquilo que imaginamos ter vivenciado. As pessoas que poderiam confirmar se esses fatos são reais ou inventados estão, como naqueles versos do Manuel Bandeira, dormindo profundamente.
Em tempos distantes, a cada minuto mais distantes, os piqueniques eram formas de celebrar os laços de amizade, viver em comunhão e se divertir. Em alguns casos, serviam de ponto de partida para diversas aventuras, inclusive as amorosas.
A vida moderna perdeu o interesse pelos piqueniques. Estou enganado? Acredito que até as escolas deixaram de promover esse tipo de encontros. Com a multiplicação das atividades sociais e culturais, geradas pelo mundo virtual, a ausência de áreas públicas propícias à atividade e a insegurança de algumas regiões da cidade, poucas pessoas saem de casa para fazer algum tipo de refeição ao ar livre – a exceção fica por conta daqueles que pregam a comunhão com a natureza, hippies tardios.
Qual foi a consequência do recordar desses acontecimentos tão distantes? Com o prato no colo, almocei na sacada. Não foi um piquenique, mas fiz de conta que era.
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