Depois de protelar o máximo
possível, ele foi até o banco. Assunto? Uma daquelas conversas chatas sobre
saldo bancário. Após explicar a situação de insolvência em que estava vivendo,
ouviu de Marli, a funcionária, um discurso muito educado, cordial. Na verdade,
ela usou uma linguagem retórica, perigosamente sutil, cheia de ameaças veladas
sobre procedimentos judiciais. Ele ainda tentou discutir alguns pontos. Tudo em
vão. O banco queria receber – e rápido.
Enquanto a funcionária estava
vasculhando, no computador, os arquivos implacáveis dos débitos, ele ficou
esperando, sentado em uma confortável poltrona marrom. Tentou folhear o livro
de crônicas do Antônio Maria que andava relendo. Esforço inútil: aquele ambiente
não comportava espaço para a poesia.
A paisagem estéril envolvia todos
aqueles que estavam dentro do prédio. Os passos apressados das pessoas, o
dinheiro sendo manipulado nervosamente por alguns caixas, o olhar apreensivo
dos funcionários burocráticos, conversas rápidas, soando como sussurros que
encobrem graves segredos, o medo gotejando pelas paredes – tudo parecia
conspirar para uma soma angustiante de terror. Ninguém estava interessado em
saber as últimas trapalhadas dos políticos brasileiros. Nada era importante
para o office boy que, na fila de depósitos, ouvia rock pelo fone de ouvido.
Uma inconfundível funcionária pública conversava com uma amiga sobre as
“últimas” da sua repartição (Aquela lambisgóia do terceiro andar, a loura,
peguei ela com o chefe. Estavam em atitudes suspeitas no banheiro!). A
estagiária estava sonhando com o vestido que usaria na festa de sábado. Para o
chefe da segurança do banco, uma vitória do Flamengo era muito mais importante
do que a remarcação de preços no supermercado.
A vida é a soma de muitas
loucuras, filosofou. Depois de imprimir uma página enorme, onde constava
“tudo” sobre a doença econômica que atinge a vida de quem precisa viver com um
minguado salário, Marli fez, sem rodeios nem piedade, um pequeno (porém cruel)
balanço da situação. Detalhou as razões da falência, mostrou extratos,
perguntou sobre fontes alternativas de crédito, descartou a possibilidade de
depósitos milionários naquela conta e, didaticamente, sugeriu medidas
restritivas nos gastos. Depois, fez um longo sermão sobre as responsabilidades
que se deve ter com o uso do dinheiro do banco! Por um instante quase
imperceptível foi possível perceber que por trás daquela lengalenga havia uma
dose muito forte do mais puro tédio. A voz, monocórdia, discurso decorado,
alertava pela milionésima vez o horror dos tempos de crise.
Em seguida, utilizando-se
impiedosamente do poder que lhe foi conferido pelo capitalismo, Marli começou a
fazer cálculos sobre o montante que estava no negativo. Sugeriu um financiamento.
Em seguida, relacionou uma série de documentos que deveriam ser apresentados e,
sem sequer olhar para a “vítima”, repetiu as ameaças do início da conversa.
Nada muito declarado, explícito. A velha linguagem da persuasão. Ficou no ar um
clima pesado, difícil, daqueles que dá para cortar com faca. Ele sentiu que a
conversa estava encerrada – nada mais havia para ser dito. Então, levantou da
poltrona e foi embora. Antes, articulou alguma bobagem, qualquer coisa como Vou pensar no assunto. Depois eu volto.
Entre a poltrona e a escada, o
sapato deslizando pelo chão, começou a recuperar os sons da cidade. Alguém riu,
um carro buzinou, uma cadeira caiu e provocou olhares curiosos. Na porta do
banco, o sol lambeu o seu rosto numa breve carícia. O dia estava bonito, como
só podem ser bonitos na primavera. Sem muitas pretensões, deixou os olhos serem
levados pelo doce ondular do corpo de uma mulher que passava. Tomado por uma
súbita alegria, perguntou ao mundo, de que importam os naufrágios, se a vida se
mantém na superfície – lúcida?
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