Sempre
gostei mais de gatos do que de cachorros. Poderia alegar trezentas razões para
esse proceder, inclusive ter sido mordido por cães duas vezes. Mas isso seria
exagerar, inclusive porque não desejo omitir a existência desses animais na
minha vida.
Do
primeiro cachorro não tenho grandes lembranças, exceto que foi morto com tiro
de espingarda de caça. Tinha contraído hidrofobia. Depois, quando estávamos
morando na Rua José Berlim (antigo Aeroporto Velho, hoje bairro Universitário),
surgiu Piloto, um cão enorme, gentil e protetor. Ele foi uma das perdas
no grande drama familiar que protagonizamos em 1972, quando meus pais se
separaram. Mais tarde, menos de dez anos, adotei Napoleão (Napo, para os
íntimos). Ele não possuía grandes atrativos ou altura para jogar basquete, mas
tinha a dignidade e a delicadeza de um Golden Retriever.
E
isso é tudo o que posso dizer sobre cinofilia. Em compensação, sobre a
ailurofobia... Mas, seguindo o esquema do pessoal que preza pela organização,
vamos por partes. A palavra ailurofilia tem raízes (radical e sufixo) gregas e
significa, de forma simplificada, amor pelos gatos (felinos). Cinofilia, de
acordo com o mesmo raciocínio, quer dizer amor pelos cães – em sentido lateral,
a palavra está relacionada com o cinismo (mas, para entender isso é preciso
conhecer a história da filosofia).
Na
infância, em um dia que parecia ser igual a qualquer outro, meu pai trouxe para
casa um filhote de gato amarelo. Estava dentro de uma caixa de sapato e tinha
fome e frio. Foi imediatamente adotado, alimentado, agasalhado. Um dos meus
irmãos perguntou qual era o nome do animal. A resposta foi estranha: Babinote.
Nunca entendi o porquê desse nome. Certa vez imaginei que poderia ser a
contração das expressões baby, not ou baby, note, o que parece ser algum
tipo de ironia sutil (além de não saber inglês, meu pai jamais usaria esse
recurso estilístico). Babinote também se perdeu (ou foi adotado por algum
vizinho) na diáspora de 1972.
O
tempo escorreu pelo vão dos dedos e nesse intervalo, sem parecer exagerado,
arrisco o palpite que minha mãe adotou uns quinze gatos. Não ao mesmo tempo,
que isso seria problemático. Um por vez, talvez dois. E de todas as cores e
raças. E era sempre uma tragédia quando um deles desaparecia. Lembro-me, entre
tantos episódios complicados, de dois atropelamentos e um envenenamento. Todas
essas mortes foram recebidas como uma declaração de guerra contra o mundo,
contra algum vizinho. O que não surpreende, pois os animais eram legítimos
membros da família. A velhice também alcançou alguns deles – apesar de
possuírem sete vidas. O último dos felinos chamava-se Sabóti, uma homenagem
(??) à enfermeira que cuidou da mãe no hospital – quando foi operada da
vesícula, no início do século XXI. A gata sobreviveu à sua dona, mas não
por muito tempo, o fio da vida também estava se rompendo em março de 2021.
A
literatura também trouxe os gatos para dentro da minha vida. Escritores que
admiro como Edgar Allan Poe, H. H. Munro, Saki, John Updike, E. T. A. Hoffmann,
Anton Tchekhov, Patrícia Highsmith, Doris Lessing, Natsume Soseki, Mary
Gaitskill, entre outros, coloriram suas histórias com esses poemas ambulantes
(como diria Roseana Kligerman Murray). No Brasil, os inventores da autoestima
(segundo Erma Bombeck) são personagens de Heloísa Seixas, Otto Lara Resende e
Rogério Menezes. Nas narrativas de Lygia Fagundes Telles encontramos os
emblemáticos Emanuel (no conto homônimo) e Rahul (o gato-narrador do romance As Horas Nuas).
Depois
desse conjunto de histórias, alguém há de perguntar sobre a minha relação com a
ailurofilia. Lamento informar que não tenho gatos. Não os quero ter. Moro em
apartamento e considero crueldade aprisionar qualquer animal.
Além
disso, ou talvez exatamente por isso, tenho dificuldade em entender a perda
daqueles que amo.
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