Toda vez que alguém me apresenta dados estatísticos, gráficos e análises de probabilidades, a minha vontade é a de repetir uma frase que emoldura o romance de ficção científica Guerra do Velho, de John Scalzi: não tenho matemática suficiente para isso. E não tenho mesmo.
Na escola, quando a aritmética era obrigatória, costumava somar o tédio com os elementos descritos no enunciado das provas. Ainda hoje, tenho a impressão de que atravessar a nado o Amazonas é mais fácil do que resolver alguns problemas algébricos (logaritmos, derivadas, matrizes e determinantes, por exemplo). Acumulei noites de insônia por causa desses monstros.
Falta-me paciência e fé para compreender o mundo dos números. Quando vejo equações, diagramas, planilhas de Excel, planos cartesianos, vetores, fluxogramas, essa parafernália que acompanha a matemática, lembro-me de alguns versos do Augusto dos Anjos: esse ambiente me causa repugnância... / Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia.
O Covid-19 forneceu elementos festivos para o pessoal da matemática, (principalmente os fanáticos pela estatística). Existem cálculos de probabilidade para tudo – desde as porcentagens de alguém deixar de viver nas próximas 24 horas até a quantidade de unhas encravadas existentes em grupos de mil habitantes.
Os jornais (físicos, virtuais e televisivos), ávidos por novidades, multiplicam esse tipo de “enrolação”. E abusam dos infogramas (representação gráfica visual que complementa o texto). Além de ajudar o leitor a assimilar a informação, esse recurso fornece corpo e substância para as notícias. Isso é fácil de entender. Mas,...
Os números (distribuídos em pontos, curvas, colunas, estereogramas, pictogramas, cartogramas, etc.), auxiliados pela técnica da diagramação, também são uma forma de higienizar a informação, de retirar do olhar do indivíduo uma serie de dados que poderiam fornecer outra leitura – provavelmente contrária ao enfoque proposto. Assim como a pornografia, os infogramas ambicionam satisfazer um desejo imediato, supérfluo, sem grandes consequências.
Certa vez, o escritor Andrew Lang afirmou que usa-se a estatística como um homem bêbado usa um poste, mais para se apoiar que para iluminar. Ou seja, a estatística é uma ferramenta auxiliar, com alguma importância, mas certamente dispensável. Infelizmente não é assim que o imaginário popular entende. A publicação de qualquer conjunto de números assume o estatuto de verdade – porque a “verdade” contemporânea não precisa estar conectada com a realidade.
Uma célebre afirmação de Josef Stalin, a morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma estatística, é de difícil compreensão para os humanistas. Diminuir o significado da morte, usando números, é irracional, é desumano. A morte, independente da quantidade, sempre caracteriza o absurdo.
Na luta diária contra o discurso dos números constato que eles se parecem com o grego, o sânscrito ou o mandarim – idiomas que não entendo. Simultaneamente, a inserção dos numerais no cotidiano confirma o uso proposital de instrumentos de opressão. Consequentemente, essa estratégia serve, em alguns momentos, como indução da desinformação ou de comportamentos sociais, políticos e econômicos de duvidoso valor.
Quando dizem que os números não mentem, convém lembrar que Mark Twain resumiu a questão ao afirmar que há três tipos de mentiras: mentiras, mentiras disfarçadas e estatísticas.
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