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segunda-feira, 20 de março de 2023

JUCA KFOURI: POLÍTICA E FUTEBOL

 



Alguns livros costumam chegar atrasados às mãos do leitor. Quer dizer, o encontro se efetiva em tempo diferente daquele que deveria. Não sei dizer se isso é bom ou ruim. Apenas acontece. E não há nada a fazer, exceto ler o texto e confirmar se continua dizendo aquilo que queria dizer em tempo pretérito.

No caso de Confesso que perdi, as memórias do jornalista esportivo Juca Kfouri, publicado em 2017, tudo continua limpidamente coerente, poucas coisas poderiam ser atualizadas, embora muito futebol tenha sido jogado nesses quatro últimos anos – o mesmo se pode dizer sobre os acontecimentos políticos.

Como cabe ao memorialismo, tudo o que foi publicado é produto de uma seleção. Incluiu-se o que interessava incluir, omitiu-se o que interessava omitir. Nesse segundo departamento, por exemplo, existe uma lacuna abissal sobre a vida familiar. Habilmente, os quatro filhos (de três relacionamentos) foram protegidos da curiosidade do público leitor. Eles são citados somente em momentos inevitáveis. Faz parte do show.

Unindo o ativismo político com o jornalismo esportivo, Kfouri estabeleceu uma trajetória singular. Mas, evidentemente, essa postura está longe do equilíbrio (como ele mesmo reconhece, relatando vários momentos de destempero). A sua paixão pelo Corinthians, por exemplo, se aproxima do fanatismo. Felizmente, o pessimismo que herdou da militância esquerdista, o faz refletir sobre esse perigo. Ou seja, comemora as vitórias com contenção e procura entender as derrotas com a lente crítica. O melhor exemplo dessa postura se expressa no título do livro, que emula o famoso Confesso que vivi, de Pablo Neruda.

Mas não é somente no futebol que as perdas se somam. Desde as lembranças dos anos 60 (e sua participação nos movimentos de resistência) até a atualidade, o caminho político se mostrou tortuoso, repleto de armadilhas. Pequenas alegrias, incontáveis tristezas. Amigos e familiares mortos pela ditadura militar. A iniquidade sendo reconhecida como valor no impeachment de Dilma Rousseff. A percepção de que a democracia está em risco diariamente.

Kfouri foi diretor da revista Placar durante uma eternidade. E trabalhou em outros veículos jornalísticos – inclusive na revista Playboy. Isso significa que escreveu textos sobre diversos assuntos e fez algumas entrevistas com personagens singulares da história brasileira (Castor de Andrade, por exemplo). Também participou da cobertura de diversas Copas do Mundo e Olimpíadas. Os casos e causos que relata sobre essas situações constituem o necessário refresco às tragédias.

Observador atento do cotidiano, Kfouri lembra que Futebol e política, política e futebol se misturam como água e sabão, e seria melhor se um e outro fossem mais limpos do que são. Infelizmente, a sujeira está presente nas relações sociais. E falta um sistema capaz de eliminar essa poluição ambiental. Tanto no futebol como na política, os urubus se alimentam dos detritos, da carniça.

Ao reprovar essa selvageria, Kfouri concentra esforços para denunciar algumas cafajestadas (máfia da loteria, perversidades produzidas pela CBF, intrigas palacianas). São atitudes quixotescas, próprias de quem acredita estar do lado oposto aos “homens de bem”, aqueles que defendem “os valores morais” da família. Algumas vezes obtém sucesso – estímulo necessário para continuar o combate.

Um dos capítulos mais íntimos do livro faz uma elegia a uma das mais importantes figuras dramáticas da história brasileira: Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira Oliveira (1954-2011). A amizade que o unia ao “Magro” transcende a explicações. E isso, entre outras coisas, o impediu de escrever uma biografia do jogador corintiano (também santista). Coisas daquilo que os puristas chamam de necessário distanciamento do objeto de análise.   

Confesso que perdi não se perde nas confissões de Juca Kfouri. Ao contrário, apesar dos inúmeros espaços vazios que o narrador faz questão de abrir no que está revelando, há esclarecimento e sabedoria. Talvez seja a primeira parte de uma narrativa maior – e que ainda está por ser escrita (seja por Kfouri, seja por outro).


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