Pintura de Rob Gonsalves (1959-2017) |
Todo mundo sonha. Dizem. Das coisas alheias pouco sei – exceto o que me contam e o que leio ou assisto no cinema. O que posso afirmar com segurança é que nos últimos tempos tenho dormido quase oito horas ininterruptas e em suave serenidade infantil. Raramente há interrupções no sono.
Em outros tempos, muitos sonhos recorrentes com a família. Hello, darkness, my old friend / I’ve come to talk with you again. O eterno conjunto de desacertos que a vida nos presenteia. É possível que tenha, em algum momento, por motivo impreciso, consertado o parafuso frouxo que carrego na cabeça (como dizia minha avó) e solucionado o problema. Nunca mais apareceram.
O inconsciente costuma nos transportar para lugares que gostaríamos de ir. Situações que gostaríamos de ter vivido. Mas nem sempre. O contrário também se mostra verdadeiro. Muitas vezes o que se faz presente é o horror. Talvez para nos lembrar que estar acordado também prova que o inferno existe.
O surrealismo foi a corrente artística que mais valorizou os sonhos. Flertando com o anarquismo, eles acreditavam que a arte não deve estar atrelada à lógica e à razão – cabe à imaginação ultrapassar essas barreiras e estar receptiva para todas as possibilidades da mente humana.
Recentemente, sonhei que estava em sala de aula. Era um daqueles dias de sol escaldante, todos de bermuda e camiseta. Muita gente entrando e saindo da sala, conversas paralelas ensurdecendo o mundo. Pareceu-me que algum rock comportado dava o tom da trilha sonora. Sentado em uma carteira estava um ex-colega do segundo grau. Fazia muito tempo que tínhamos perdido o contato e, salvo banalidades, nunca tivemos interesses convergentes. No sonho, ao contrário, parecia que éramos amigos íntimos. E o mais estranho, o tempo ainda não tinha produzido muitos estragos em nossos corpos. Éramos alegres e cabeludos. Tínhamos 16, 17 anos. Depois de trocar algumas palavras com ele e algumas pessoas que não conheço, deixei a sala, caminhei pelo corredor e... acordei.
Durante a manhã, procurei por alguma coerência nesse sonho. Não foi preciso ir longe. No ritmo da automedicação, conclui que não era caso de internamento psiquiátrico, tampouco havia motivo para marcar consulta com o doutor Sigmund – o bisbilhoteiro da mente humana. No século passado, quando fui aluno na UFSC, uma das disciplinas abordou os dois volumes de Alice, o célebre texto de Lewis Carroll (pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson, 1832-1898). Foi uma bagunça. Alunos demais (inclusive alguns conhecidos) O ar condicionado não estava funcionando. Quem chegava atrasado não conseguia lugar para sentar. Poucos conseguiram ouvir o professor.
Será possível estabelecer algum tipo de ligação entre essas aulas malucas e o sonho? Sou daqueles que acreditam que nada acontece por acaso. Sempre há um fio solto dentro do labirinto e que raras vezes aponta para a saída. O usual costuma ser um convite para tomar chá com o Chapeleiro Louco (Mad Hatter) e a Lebre de Março (March Hare). Ou então, em outra versão, mergulhar no mundo proposto por um daqueles filmes estranhos do Luis Buñuel Portalés (1900-1983).
De qualquer maneira, sem estabelecer conexões
entre o que está certo e o que está errado nos passeios oníricos, só vou começar a me
preocupar no momento em que ouvir os gritos da Rainha de Copas: Cortem-lhe
a cabeça!
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