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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

WALTER BENJAMIN EM ALGUNS FRAGMENTOS SOBRE LITERATURA, HISTÓRIA E POLÍTICA



– Nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história.

– A luta de classes, que um historiador educado por Marx jamais perde de vista, é uma luta pelas coisas brutas e materiais, sem as quais não existem as refinadas e espirituais.

– O passado só se deixa fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido.

– Articular historicamente o passado não significa reconhecê-lo “como ele de fato foi”. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo.

– O dom de despertar do passado as centelhas de esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer.

– Os que num momento dado dominam são os herdeiros de todos os que venceram antes.

– Nunca houve um documento da cultura que não fosse também um documento de barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialismo histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo.

– A tradição dos oprimidos nos ensina que o “estado de exceção” em que vivemos é na verdade a regra geral.

– Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso.

– A história é objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de “agoras”.

– Para quem escala fachadas, todos os ornamentos são úteis.

– Viver em uma casa de vidro é uma virtude revolucionária por excelência.

– O Deus de Dostoiévski não criou apenas o céu e a terra e o homem e o animal, mas também a vingança, a mesquinharia, a crueldade.

 – O homem que lê, que pensa, que espera, que se dedica à flânerie, pertence, do mesmo modo que o fumador de ópio, o sonhador e o ébrio, à galeria dos iluminados. E são iluminados mais profanos.

– Nem tudo nessa vida é modelar, mas tudo é exemplar.

– Um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que um acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois.

– Nem sempre proclamamos em voz alta o que temos de mais importante a dizer.

– A quintessência da experiência não é aprender a ouvir explicações prolixas que à primeira vista poderiam ser resumidas em poucas palavras, e sim aprender que essas palavras fazem parte de um jargão regulamentado por critérios de casta e de classe e não são acessíveis a estranhos.

– A tagarelice incomensuravelmente ruidosa e vazia que ecoa nos romances de Proust é o rugido com que a sociedade se precipita no abismo dessa solidão.

– Proust, essa velha criança, profundamente fatigado, deixou-se cair no seio da natureza não para sugar seu leite, mas para sonhar, embalado com as batidas do seu coração.

– A matriz do romance é o indivíduo em sua solidão, o homem que não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações, a quem ninguém pode dar conselhos, e que não sabe dar conselhos a ninguém. Escrever um romance significa descrever a existência humana, levando o incomensurável ao paroxismo. 

– Cada guerra que se anuncia é ao mesmo tempo uma insurreição de escravos.

– (...) tentam apropriar-se da atualidade sem terem compreendido o passado.

– Estar sujeito à rotina significa sacrificar suas idiossincrasias e abrir mão da capacidade de sentir nojo.

– Ele não está à esquerda de uma ou outra corrente, mas simplesmente à esquerda do possível.

– Transformar a luta política de vontade de decisão em objeto de prazer, de meio de produção em bem de consumo – é este o artigo de maior sucesso vendido por essa literatura.

– Muitas vezes enfraquecemos nossas próprias posições para combater nosso adversário e, para obter vantagens imediatas, privamos nossa causa de suas dimensões mais amplas e mais válidas. Exclusivamente voltada para a luta, nossa causa pode talvez vencer, mas não pode substituir a que foi vencida.

– A diferença entre a técnica e a magia é uma variável totalmente histórica.

– Em seus edifícios, quadro e narrativas a humanidade se prepara, se necessário, para sobreviver à cultura.  

– A tendência política, por mais revolucionária que pareça, está condenada a funcionar de modo contra-revolucionário enquanto o escritor permanecer solidário com o proletariado somente ao nível de suas convicções, e não na qualidade de produtor.

– A proletarização do intelectual quase nunca faz dele um proletário.

– Nosso mundo é apenas um mau humor de Deus, um dos seus maus dias.

– Kafka é como o rapaz que saiu de casa para aprender a ter medo.

– O que é a corrupção no mundo do direito, a angústia é no mundo do pensamento.

– A arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando se pede num grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências.

– A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas por inúmeros narradores anônimos. Entre estes, existem dois grupos, que se interpenetram de múltiplas maneiras. A figura do narrador só se torna plenamente tangível se temos presentes esses dois grupos. “Quem viaja tem muito que contar”, diz o povo, e com isso imagina o narrador como alguém que vem de longe. Mas também escutamos com prazer o homem que ganhou honestamente a sua vida sem sair do seu país e que conhece suas histórias e tradições. Se quisermos concretizar esses dois grupos através de seus representantes arcaicos, podemos dizer que um é exemplificado pelo camponês sedentário, e outro pelo marinheiro comerciante. Na realidade, esses dois estilos de vida produziram de certo modo suas respectivas famílias de narradores. Cada uma delas conservou, no decorrer dos séculos, suas características próprias. (...) A extensão real do reino narrativo, em todo o seu alcance histórico, só pode ser compreendido se levarmos em conta a interpenetração desses dois tipos arcaicos.

– (...) a natureza da verdadeira narrativa. Ela tem sempre em si, às vezes de forma latente, uma dimensão utilitária. Essa utilidade pode consistir seja num ensinamento moral, seja numa sugestão prática, seja num provérbio ou numa norma de vida – de qualquer maneira, o narrador é um homem que sabe dar conselhos.

– O conselho tecido na substância viva da existência tem um nome: sabedoria. A arte de narrar está definhando porque a sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção.

– A informação só tem valor no momento em que é nova. Ela só vive nesse momento, precisa entregar-se inteiramente a ele e sem perda de tempo tem que se explicar nele. Muito diferente é a narrativa. Ela não se entrega. Ela conserva suas forças e depois de muito tempo ainda é capaz de se desenvolver.

– O tédio é o pássaro de sonho que choca os ovos da experiência. O menor sussurro nas folhagens o assusta.

– Contar histórias sempre foi à arte de contá-las de novo e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a história.

– Quem escuta uma história está na companhia do narrador; mesmo quem a lê partilha dessa companhia. 



 Walter Benjamin e Bertolt Brecht em Svendborg, Dinamarca, 1934

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