Fanfic, abreviação de fanficcion (ficção
criada por fãs), é um modelo literário originário da Internet e que se
caracteriza por intervenções paralelas aos enredos de livros, filmes, series
televisivas, histórias em quadrinho, mangás e animes. Também pode envolver algum
jogo de Role-Playing Game (RPG), bandas musicais ou qualquer sub-sub-sub-elemento
da sub-cultura pop. Seguindo as regras de orientação de qualquer gênero parasita,
essas narrativas se caracterizam pelo desrespeito intencional ao conceito de
copyright (direitos autorais). A desculpa mais usada é que essas narrativas não
visam lucro e incentivam o consumo do produto original.
After, escrito por Anna Todd, e
publicada inicialmente na plataforma de leitura Wattpad, se tornou uma das
fanficcions mais bem sucedidas da história literária. Teve cerca de um bilhão
de acessos. Dividido em três partes e adotando como base de sustentação a
boyband One Direction, o texto conseguiu ultrapassar as limitações do espaço
virtual e alcançou a forma física do livro. Obviamente, a indústria
cinematográfica também quer uma fatia do bolo e efetuou um substancial
adiantamento financeiro para ter os direitos de adaptação. A versão brasileira
do primeiro volume possui mais de 520 páginas e, quiçá, por razões comerciais
ou por complexo de vira-lata, conservou o título original.
O enredo, bastante trivial, beirando
plágio escancarado de inúmeros textos contemporâneos, descreve a rede de
sedução que envolve Theresa Young (conhecida pelos amigos com Tessa) e Hardin
Scott (inspirado em Harry Edward Styles). De um lado está uma jovem universitária, virgem
e ingênua; do outro, um rapaz problemático. Entre os dois, uma história que
mistura um pouco de suspense, muitos equívocos e diversas descrições gráficas
de sexo – elemento narrativo que se destaca com bastante ênfase, tanto que, em
alguns momentos, se torna inevitável a comparação entre After e Cinquenta
Tons de Cinza ou com algum dos livros escritos por Sylvia Day. Enfim, a porcaria que caracteriza o sub-gênero Young
Adults.
Para fingir alguma profundidade, os protagonistas
do romance estudam inglês (que é o equivalente nacional ao curso de Letras). E
isso significa que uma superficial, bem superficial, camada de verniz
intelectual se espalha em meia dúzia de referências sobre livros românticos como Orgulho e Preconceito, O Morro dos Ventos Uivantes e O Grande Gatsby. Simultaneamente, este tipo de abordagem sinaliza, sem a mínima restrição, para um bloqueio a qualquer tipo de literatura mais realista, menos impregnada da ideologia do amor como anestésico para todas as dores. Seria engraçado – se não fosse ridículo. Bem ridículo.
One Direction |
Tessa, narradora e protagonista de After, vai relatando lentamente o caminho que percorreu em direção à iluminação
sexual. Ao mesmo tempo, acompanha o bad boy
Hardin, sem perceber o quanto ele está se esforçando para fingir que não está interessado
em iniciar a garota no mundo da devassidão. Nesse jogo de gato e rato, não
faltam quilos de dramas ridículos – causados pela imaturidade emocional. Quando
o eixo dramático deslancha, o sexo se torna o principal ingrediente a ser
servido para os olhos gulosos do leitor. O cardápio inclui cenas de carícias
mútuas, sexo oral, masturbação e sexo vaginal – tudo muito apimentado pela
linguagem ingênua da princesinha encantada pelo poder de persuasão do macho
malvado.
Harry Edward Styles |
É isso, o mito machista se desenvolve no
discurso da mulher indefesa – que sonha com a transformação do monstro em príncipe
encantado. Quer dizer, mais encantado, pois quer agregar as delícias reveladas
na cama com bom caráter. Tarefa impossível, como fica indelevelmente marcada no
último capítulo do novelão, instante em que um segredo terrível é revelado. Ao
mesmo tempo, esse ponto fulcral da narrativa serve de gancho para incendiar a
imaginação do leitor – que tudo fará para comprar o segundo volume do texto e
descobrir como a coitadinha da Tessa vai superar o trauma.
Resumo da ópera: After não passa de um
desses textos comerciais que objetivam chamar a atenção de leitores sem grande ambição
intelectual e que alimentam os desvios sexuais com doses maciças de fantasias masturbatórias.
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