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terça-feira, 9 de dezembro de 2014

O INCOLOR TSUKURU TAZAKI E SEUS ANOS DE PEREGRINAÇÃO



De todas as características que podem ser atribuídas ao escritor japonês Haruki Murakami, surpreende a maneira como ele manifesta literariamente o seu exílio imaginário. Através dos personagens que habitam seus livros está nítido, e de forma incontornável, o desconforto que sente em viver no Japão. As referências à história de seus antepassados praticamente foram excluídas. O país que ele vislumbra se assemelha a um pedaço idealizado da Europa – onde nada de ruim acontece. A ausência de economia em relação às referências comportamentais e musicais (ópera, clássicos, jazz, pop) ratifica essa tese esquizofrênica, causada pelos mecanismos de sedução do mundo ocidental. Textos anteriores como Norwegian Wood ou a trilogia 1Q84 também trafegam em alta velocidade por essa estrada perigosa. O mesmo destino é adotado pelo narrador do romance O Incolor Tsukuru Tazaki e seus Anos de Peregrinação, que define esse desenraizamento de maneira bastante eficiente: (Ele) era um estrangeiro, e todas as pessoas à sua volta conversavam em uma língua que ele não compreendia.

Balada poética da vida de um homem solitário, O Incolor Tsukuru Tazaki e seus Anos de Peregrinação está centralizado no momento em que um grupo de cinco amigos – residentes em Nagoia – rompe a amizade construída antes dos estudos universitários em razão de um episódio nebuloso. Dezesseis anos depois, Tsukuru precisa olhar para trás e entender que o que ocorreu no passado deixou ferimentos que ainda não cicatrizaram: Ele sentia apenas tristeza. Tristeza de ser deixado sozinho no fundo de um buraco profundo e escuro.

No mundo há coisas que só podem ser transmitidas através da figura de uma mulher, sublinha o narrador como uma espécie de tradução do velho axioma francês, cherchez la femme – todos os descaminhos do coração se resolvem com a fórmula “procure a mulher”. No entanto, essa chave não abre a caixa onde estão guardados todos os segredos. Há algo além. A figura do engenheiro que gosta de se sentar nos bancos das estações de transporte público e ficar olhando o ir e vir dos trens, momento de alheamento sem substância, vaso vazio que parece não ter sentido ou função, exige um olhar mais profundo do que resumir as tragédias existenciais em uma história romântica: Ainda é melhor sentir dor, ele procurou pensar. O pior é não sentir nem ao menos dor.

Essa melancolia se repete ao longo e ao largo do romance de diversas formas, como que a refletir interminavelmente que (para ele) não há possibilidade de salvação. Tsukuru Tazaki não tem um lugar para ir. Era como uma tese na vida dele. Ele não tem um lugar para ir, nem um lugar para voltar. Ele nunca teve um, e mesmo agora continua não tendo. Ele só tem o lugar onde está agora.

Os nomes de Kei Akamatsu, Yoshio Ômi, Yuzuki Shirane, Eri Kurono estão associados às cores vermelho, azul, branca, preta, respectivamente. Por isso, depois de inúmeras tentativas de fornecer algum colorido ao seu percurso existencial, Tsukuru admite que Os quatro amigos que conheceu no primeiro ano do ensino médio provavelmente foram a coisa mais valiosa que ele conseguiu até então. Romper com esse relacionamento de amizade expressou o fim da própria vida. A ideia de suicídio assume o holofote central. Somente a inércia impede que isso se concretize – e isso, a inércia, é também uma forma de morte.

Apenas o escorrer inexorável do tempo e a maturidade podem dar um fim aos anos de peregrinação – evocação musical de uma peça de Franz Liszt, no álbum Années de Pèlerinage. O coração de Tsukuru Tazaki, o construtor, o que não possui cor, só se acalma quando as viagens interiores chegam à estação de trem e desembarcam aliviadas por estarem em casa. Finalmente se torna claro que o exílio é uma ilusão.


Trecho Escolhido

 

Azul encolheu novamente os ombros largos. – Pelo menos entre a gente você era o mais bonito. Dá para dizer que meu rosto tem peculiaridades, mas parece o de um gorila, e Vermelho sem dúvida era um típico crânio de óculos. O que quero dizer é que, dentro daquele grupo, cada um desempenhava até que bem o seu papel. É claro, enquanto ele durou.

 

– Você quer dizer que a gente desempenhava conscientemente um papel?

 

– Não, acho que não fazíamos tão conscientemente assim. Mas acho que todos tinham uma vaga ideia da posição que ocupavam no grupo – disse Azul. – Eu era o atleta animado, Vermelho, o intelectual de mente brilhante. Branca, a linda donzela, e Preta, a comediante perspicaz. E você era o menino bonito e educado.

 

Tsukuru pensou a respeito. – Desde aquela época, eu me via como uma pessoa vazia, sem cor, sem peculiaridade. Talvez esse tenha sido o meu papel naquele grupo. Ser vazio.

 

Azul fez uma cara de dúvida. – Não entendi direito. Qual é o papel de ser vazio?

 

– Um recipiente vazio. Um pano de fundo incolor. Sem nenhum defeito visível, nem uma qualidade notável. Talvez uma pessoa assim fosse necessária no grupo.

 

Azul balançou a cabeça. – Não, cara, você não era vazio. Ninguém pensava assim. Como posso dizer, você tranquilizava os nossos corações. 

 

– Tranquilizava os corações de vocês? – Tsukuru perguntou, surpreso. – Como música de elevador?

 

– Não, não é isso. Não consigo explicar direito, mas, só de você estar ali, nós conseguíamos ser nós mesmos, naturalmente. Você não era de falar muito, mas vivia com os pés no chão, e isso proporcionava uma espécie de estabilidade tranquila ao grupo. Como a âncora do navio. Depois que você saiu, percebemos isso claramente. Que precisávamos da sua presença. Não sei se foi por causa disso, mas depois que você partiu de repente o grupo se separou.

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