De todas as características que podem
ser atribuídas ao escritor japonês Haruki Murakami, surpreende a maneira como
ele manifesta literariamente o seu exílio imaginário. Através dos personagens
que habitam seus livros está nítido, e de forma incontornável, o desconforto que
sente em viver no Japão. As referências à história de seus antepassados
praticamente foram excluídas. O país que ele vislumbra se assemelha a um pedaço
idealizado da Europa – onde nada de ruim acontece. A ausência de economia em
relação às referências comportamentais e musicais (ópera, clássicos, jazz, pop)
ratifica essa tese esquizofrênica, causada pelos mecanismos de sedução do mundo
ocidental. Textos anteriores como Norwegian Wood ou a trilogia 1Q84 também
trafegam em alta velocidade por essa estrada perigosa. O mesmo destino é
adotado pelo narrador do romance O Incolor Tsukuru Tazaki e seus Anos de
Peregrinação, que define esse desenraizamento de maneira bastante eficiente: (Ele)
era um estrangeiro, e todas as pessoas à sua volta conversavam em uma língua
que ele não compreendia.
Balada poética da vida de um homem
solitário, O Incolor Tsukuru Tazaki e seus Anos de Peregrinação está
centralizado no momento em que um grupo de cinco amigos – residentes em Nagoia
– rompe a amizade construída antes dos estudos universitários em razão de um
episódio nebuloso. Dezesseis anos depois, Tsukuru precisa olhar para trás e
entender que o que ocorreu no passado deixou ferimentos que ainda não
cicatrizaram: Ele sentia apenas tristeza. Tristeza de ser deixado sozinho no
fundo de um buraco profundo e escuro.
No mundo há coisas que só podem ser
transmitidas através da figura de uma mulher, sublinha o narrador como uma
espécie de tradução do velho axioma francês, cherchez la femme – todos os
descaminhos do coração se resolvem com a fórmula “procure a mulher”. No
entanto, essa chave não abre a caixa onde estão guardados todos os segredos. Há
algo além. A figura do engenheiro que gosta de se sentar nos bancos das
estações de transporte público e ficar olhando o ir e vir dos trens, momento de
alheamento sem substância, vaso vazio que parece não ter sentido ou função,
exige um olhar mais profundo do que resumir as tragédias existenciais em uma
história romântica: Ainda é melhor sentir dor, ele procurou pensar. O pior é
não sentir nem ao menos dor.
Essa melancolia se repete ao longo e ao
largo do romance de diversas formas, como que a refletir interminavelmente que (para
ele) não há possibilidade de salvação. Tsukuru
Tazaki não tem um lugar para ir. Era como uma tese na vida dele. Ele não
tem um lugar para ir, nem um lugar para voltar. Ele nunca teve um, e mesmo
agora continua não tendo. Ele só tem o
lugar onde está agora.
Os nomes de Kei Akamatsu, Yoshio Ômi,
Yuzuki Shirane, Eri Kurono estão associados às cores vermelho, azul, branca,
preta, respectivamente. Por isso, depois de inúmeras tentativas de fornecer
algum colorido ao seu percurso existencial, Tsukuru admite que Os quatro amigos
que conheceu no primeiro ano do ensino médio provavelmente foram a coisa mais
valiosa que ele conseguiu até então. Romper com esse relacionamento de amizade
expressou o fim da própria vida. A ideia de suicídio assume o holofote central.
Somente a inércia impede que isso se concretize – e isso, a inércia, é também
uma forma de morte.
Apenas o escorrer inexorável do tempo e
a maturidade podem dar um fim aos anos de peregrinação – evocação musical de
uma peça de Franz Liszt, no álbum Années de Pèlerinage.
O coração de Tsukuru Tazaki, o construtor, o que não possui cor, só se acalma
quando as viagens interiores chegam à estação de trem e desembarcam aliviadas
por estarem em casa. Finalmente se torna claro que o exílio é uma ilusão.
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