A crônica ressuscitou no final de 2013 e
reinou soberana em 2014. Quer dizer, viva ela sempre esteve, mas, na falta de
expressão melhor, durante um período esteve respirando por aparelhos. Nada muito
grave, apenas o desgaste natural do tempo. Provavelmente causado pelo excesso. Houve
um momento em que todo mundo queria ser cronista. Não havia lugar para todos. Poucos tinham habilidade
e técnica para concorrer com os clássicos do gênero, gênios como Rubem Braga,
Vinícius de Moraes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos. Em consequência, os textos
mezzo literatura, mezzo jornalismo (como rotulam os teóricos) foram relegados
ao segundo plano, uma espécie de exílio semioficial. A crise foi tamanha que –
na história da literatura – somente os poetas ganharam um anátema maior.
Recentemente os ventos mudaram um pouco,
não muito, mas mudaram. Foram publicadas diversas coletâneas. Antônio Prata, Vanessa
Bárbara e Fernanda Torres receberam as luzes dos holofotes e as manchetes dos suplementos
de cultura. Também foram agraciados com mil elogios em blogs de literatura. O
departamento de marketing da editora fez um trabalhinho razoável divulgando o
“produto” na imprensa lida, escrita e televisada (como se dizia antigamente).
Depois de postar mil e uma fotografias das capas dos livros nas principais
redes sociais, os escritores participaram de sessões de autógrafos, entrevistas
em talk show e palestras em feiras culturais. Literature is business, brother.
Óbvio, outros escritores menos votados
pela crítica e pelo público também deram o “ar da graça” no mercado editorial.
Mas, por diversas razões – inclusive a incapacidade de promover a própria “mercadoria”
– continuarão no anonimato. Muitos são os chamados e poucos os escolhidos,
diz a sabedoria popular, fingindo ignorar o sólido narcisismo que caracteriza a a-pós-a-moderna-idade
líquida. Nada que cause estranheza. Ou decepção.
Nem tudo estava perdido quando Gregório
Duvivier compareceu à festa com um livrinho simpático, Put Some Farofa,
composto por 78 textos escritos em diferentes ocasiões e propósitos diversos.
São peças curtas, uma página, página e meia, em tom coloquial, ora margeando a auto-ficção,
ora mergulhando nas discussões sobre a bagunça que precisamos superar
diariamente. Sem medo de enfrentar as patetices da classe média ou as bobagens
da política sem classe, Gregório escreve de maneira límpida, coerente,
eficiente. Sua tese principal está escorada em um enunciado bastante simples: no
meio da diversão, reflexão.
Ignorando os ideólogos do Facebook – aqueles
que “curtem” as páginas mais escabrosas como se estivessem contribuindo para
melhorar o mundo – ou o esquadrão coxinha ou o renascimento da direita
fascista, em diversos momentos Gregório parece estar conversando conosco, os
leitores. Uma conversa entre amigos, cheia de assuntos malucos. Entre sacadas, insights e iluminações, ele escreve uma ou outra coisa que a gente
gostaria de dizer, e que a gente não diz por que nos falta imaginação e o necessário
talento.
A elegância e o entusiasmo aparecem em
algumas crônicas, principalmente aquelas que abordam assuntos que oscilam entre
a poesia e as relações familiares (Meus pais, Meu irmão, Conto de Natal, Túnel do tempo). O romantismo fora de moda marca presença (Mas antes, Grande-amor-da-vida, Breve história da internet) ao lado de uma espécie particular de humor (Pardon anything, Carvana e Mnouchkine, Lucky bastards).
Nos momentos de seriedade sustenta uma posição política de combate, abordando
assuntos pouco palatáveis para quem imagina ter alma pura (Deus e a Copa, Orgulho
hétero, Moda reaça, História real, A coluna inútil daquele maconheiro). Em
algumas narrativas aceita conviver com a crueldade do realismo (É menina, É
menino), visto que não é possível ganhar todas as batalhas (É melhor ter wi-fi
que ter razão, Michelangelo e a Capela Sistina). São muitos os obstáculos,
muitas as tentações. Faz parte do show. Ou não.
Enfim, como comprova a foto ridícula que
ilustra a capa, o livro está repleto de diversão. Para os detratores (caramba,
que palavrinha antiga!) da crônica, aqueles mesmos que a consideram um gênero
menor, descartável, parte da página de jornal destinada a embrulhar o peixe
amanhã, somente resta lembrar o conselho de Gregório, Put some farofa. Its
delicious.
Excelente texto! Após a leitura do seu texto fiquei louco para ler o livro do Duvivier...
ResponderExcluirEi, te marquei numa tag lá no meu blog. Dá uma olhada. :D
ResponderExcluirhttp://marcando-paginas.blogspot.com.br/2015/01/tag-liebster-award-discover-new-blogs.html
2 beijos
Mari | marcando-paginas