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terça-feira, 2 de dezembro de 2014

NOITES LEBLONINAS



O bom humor é um dos melhores temperos da vida. Entre os escritores contemporâneos, aquele que conseguiu desenvolver – com estilo e técnica – esse conceito foi João Ubaldo Ribeiro, que se tornou, em crônicas e contos, o responsável por produzir algumas das melhores gargalhadas da literatura brasileira.

A sua morte recente, em 18 de julho de 2014, interrompeu um interessante projeto. Pretendia publicar uma espécie de tratado das comédias de costumes que são encenadas no Rio de Janeiro. Dos três contos projetados inicialmente, apenas dois foram concluídos – ou esboçados, se acaso o escritor pretendesse voos maiores para o seu projeto, talvez uma novela ou, quiçá, um romance picaresco. De qualquer forma, o resultado dessa ideia foi reunido no divertido volume Noites Lebloninas.

O narrador dos dois contos é porteiro de edifício classe média alta (também conhecida como a parcela da população que pretende atingir os píncaros da escala social através da alavanca econômica). Oriundo da Bahia (assim como João Ubaldo Ribeiro), mora no Leblon desde sempre, convicto que o Rio de Janeiro, (...) é minha segunda pátria. Sua voz (ancorada no alto poder de observação, na compulsão verbal e em verniz intelectual empírico, desses que derrapam de vez em sempre) se esparrama por dezenas de páginas, mais para anexar conteúdo ao discurso do que para descrever os eventos que testemunha. E ele vê coisas que até deus duvida.

No conto homônimo ao título do livro, o contorno da história protagonizada por Rodrigo Fortunato da Gama Sampaio, mais conhecido como Rodriguinho Saqualulu por conta de uma traquinagem de juventude, é mais amplo do que está ao alcance da imaginação dos pobres mortais. Para se recuperar de um desacerto amoroso, o sujeito resolveu comemorar o aniversário com uma festa de arromba, como se dizia no século passado. Convidou para acompanhá-lo o narrador e Demostes César do Sacramento Leal, porteiro de outro edifício e amigo de longa data do narrador. Os fatos relativos ao evento propriamente dito estão sintetizados nas últimas dez páginas, sendo que as 25 anteriores são para enumerar alguns fatos elementares e que resultarão no desfecho da história, construir a atmosfera da aventura e, sobretudo, para filosofar sobre os desacertos que resultam em penhascos diante da existência humana.  Sim, ao seu modo, o narrador gosta de escrever sobre o que o atormenta e sobre o que acontece diante de seus olhos. Não é pouca coisa, pois – como é de notário saber – há mais mistérios na face escura da lua do que sonha a imaginação dos astronautas.

A outra história é mais dinâmica e mais rápida, apenas 26 páginas. Trata de um desses momentos amorosos que se consolidam na imensidão de dias e noites de cumplicidade. Dagoberto, homossexual e rico, gosta de realizar incursões de caça pelos bares, ruas e parques do Leblon. Sem raça definida, o cachorro Boy, conhecido pela vizinhança como Falafina, é o seu fiel escudeiro nessas aventuras. Além disso, serve como termômetro para medir a retidão de caráter dos companheiros ocasionais de seu dono. Como nem sempre é possível prever todas as desgraças que se escondem nos mapas astrais, um dia Falafina deixa escapar um cafajeste – que se instala com pompa e circunstância no leito de Dagoberto. Como adicional negativo, Augusto César detesta Falafina. As peripécias que se seguem são dignas de constar em qualquer simulacro de epopéia homérica, comprovação mais do que evidente – e verossímil – da inteligência canina, quem duvidar corre o risco de mordida no calcanhar esquerdo para deixar de brincar com as forças da natureza.  

Noves fora zero, Noites Lebloninas não pode ser considerado como um canto do cisne de João Ubaldo Ribeiro, mas, certamente, constitui hilária recordação de um dos mais talentosos escritores brasileiros.


P.S: Acompanha os textos Prefácio de Geraldo Carneiro.

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