O bom humor é um dos melhores temperos da
vida. Entre os escritores contemporâneos, aquele que conseguiu desenvolver – com
estilo e técnica – esse conceito foi João Ubaldo Ribeiro, que se tornou, em
crônicas e contos, o responsável por produzir algumas das melhores gargalhadas da
literatura brasileira.
A sua morte recente, em 18 de julho de
2014, interrompeu um interessante projeto. Pretendia publicar uma espécie de
tratado das comédias de costumes que são encenadas no Rio de Janeiro. Dos três
contos projetados inicialmente, apenas dois foram concluídos – ou esboçados, se
acaso o escritor pretendesse voos maiores para o seu projeto, talvez uma novela
ou, quiçá, um romance picaresco. De qualquer forma, o resultado dessa ideia foi
reunido no divertido volume Noites Lebloninas.
O narrador dos dois contos é porteiro de
edifício classe média alta (também conhecida como a parcela da população que
pretende atingir os píncaros da escala social através da alavanca econômica). Oriundo
da Bahia (assim como João Ubaldo Ribeiro), mora no Leblon desde sempre, convicto
que o Rio de Janeiro, (...) é minha segunda pátria. Sua voz (ancorada no alto
poder de observação, na compulsão verbal e em verniz intelectual empírico, desses
que derrapam de vez em sempre) se esparrama por dezenas de páginas, mais para anexar conteúdo ao
discurso do que para descrever os eventos que testemunha. E ele vê coisas que
até deus duvida.
No conto homônimo ao título do livro, o contorno
da história protagonizada por Rodrigo Fortunato da Gama Sampaio, mais conhecido
como Rodriguinho Saqualulu por conta de uma traquinagem de juventude, é mais
amplo do que está ao alcance da imaginação dos pobres mortais. Para se
recuperar de um desacerto amoroso, o sujeito resolveu comemorar o aniversário
com uma festa de arromba, como se dizia no século passado. Convidou para
acompanhá-lo o narrador e Demostes César do Sacramento Leal, porteiro de outro
edifício e amigo de longa data do narrador. Os fatos relativos ao evento
propriamente dito estão sintetizados nas últimas dez páginas, sendo que as 25
anteriores são para enumerar alguns fatos elementares e que resultarão no
desfecho da história, construir a atmosfera da aventura e, sobretudo, para
filosofar sobre os desacertos que resultam em penhascos diante da existência
humana. Sim, ao seu modo, o narrador
gosta de escrever sobre o que o atormenta e sobre o que acontece diante de seus
olhos. Não é pouca coisa, pois – como é de notário saber – há mais mistérios na
face escura da lua do que sonha a imaginação dos astronautas.
A outra história é mais dinâmica e mais
rápida, apenas 26 páginas. Trata de um desses momentos amorosos que se
consolidam na imensidão de dias e noites de cumplicidade. Dagoberto,
homossexual e rico, gosta de realizar incursões de caça pelos bares, ruas e
parques do Leblon. Sem raça definida, o cachorro Boy, conhecido pela vizinhança
como Falafina, é o seu fiel escudeiro nessas aventuras. Além disso, serve como
termômetro para medir a retidão de caráter dos companheiros ocasionais de seu
dono. Como nem sempre é possível prever todas as desgraças que se escondem nos
mapas astrais, um dia Falafina deixa escapar um cafajeste – que se instala com
pompa e circunstância no leito de Dagoberto. Como adicional negativo, Augusto
César detesta Falafina. As peripécias que se seguem são dignas de constar em
qualquer simulacro de epopéia homérica, comprovação mais do que evidente – e verossímil
– da inteligência canina, quem duvidar corre o risco de mordida no calcanhar
esquerdo para deixar de brincar com as forças da natureza.
Noves fora zero, Noites Lebloninas não
pode ser considerado como um canto do cisne de João Ubaldo Ribeiro, mas, certamente, constitui hilária recordação de um dos mais talentosos escritores brasileiros.
P.S: Acompanha os textos Prefácio de Geraldo Carneiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário