Foto: Antônio Agostinho Vieira |
As filas foram feitas para torturar os homens e as mulheres de boa vontade. Não bastasse a eternidade que constitui o tempo de espera para ser atendido em um dos guichês e a constatação de que uma das leis de Murphy está em vigor (a fila ao lado sempre anda mais rápido), ainda há que se ser tolerante com gente gritando no telefone, mãe mandando criança ficar quieta, conversas inapropriadas para menores de 50 anos, apressados que não param de olhar no relógio, indivíduos que insistem em não usar máscara. É uma confusão sem fim.
A elegância, essa preciosidade civilizatória, está cada vez mais distante do viver em sociedade. Nem sempre aquele que está na fila se esforça para que a ordem do universo seja restabelecida. Muitas pessoas não respeitam o distanciamento social. Então, a qualquer descuido, surge alguém pisando no calcanhar daquele que está na sua frente. Em lugar de pedir desculpas, a criatura inicia uma conversa desbaratada, produto da falsa intimidade, apostando que vai se transformar no mais novo amigo de infância da vítima.
Algumas pessoas não suportam a soma de inconvenientes provenientes da fila. Principalmente nos casos de fila da fila. Ou seja, fila para pegar a senha para a próxima fila. O nível de tolerância entra em alerta vermelho ou estoura a bolha da paciência. A qualquer momento pode ocorrer uma troca de pontapés ou, nos casos mais brandos, uma discussão acalorada. Usualmente a turma do deixa disso controla o caos, mas é inevitável que alguém volte para casa com algum hematoma (físico ou no ego).
Nestes tempos de pandemia, há uma fila em especial que não causa irritação ou desavença. Quer dizer, não deveria. Mas, como diz o filósofo, nada do que é humano pode ser considerado estranho. Então,...
A fila da vacina merece aplausos. Não importa se ela dobra o quarteirão ou se o alvoroço se faz presente. A possibilidade de diminuir as chances de contágio e, consequentemente, não ficar doente, compensa os incômodos. Viver em sociedade implica em entender que as ações coletivas devem prevalecer sobre as ações individuais. Para quem já tomou as duas doses (ou a dose única), logo se iniciará a chamada para o reforço. Sim, mais uma fila. Cabe ter calma e consciência social.
O Covid-19 mostrou, mais uma vez, a
vulnerabilidade da vida. Episódios históricos como a revolta da vacina (1904)
ou a gripe espanhola (1918-1920) não foram suficientes para ensinar que a ciência
está (em 95% dos casos) a serviço da vida.De qualquer forma, ainda há tempo para aprender a lição.
Os incrédulos, portadores da síndrome de super-heróis de revista em quadrinho, não querem entrar na fila da vacinação. Preferem tomar vermífugos. A vida é feita de escolhas. Talvez estejam se inscrevendo para participar da fila derradeira.
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