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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

A VISITA

 


Deixei a janela do escritório aberta durante boa parte do dia. No final da tarde, ao fechá-la, descobri que não estava sozinho. Tinha uma joaninha grudada na cortina. Não tenho conhecimentos entomológicos para definir a taxonomia da minha visitante. Segundo os especialistas, há seis mil espécies no mundo, distribuídas em 350 gêneros, distinguíveis por padrões de cores e pintas, além de diversas características. E, sejamos objetivos, esse costume de querer conhecer detalhes da família daqueles que frequentam a nossa casa está ultrapassado.

A presença do coleóptero exigia alguma atitude. Em um primeiro momento, imaginei que poderia fazer as honras da casa e convidar a visita para o chá (e uns biscoitos amanteigados). Mas, logo depois de consultar o Google, descobri que esses animais se alimentam basicamente de ovos e larvas de outros insetos – e essas guloseimas eu não tinha para oferecer. Concluí que colocá-lo de volta na natureza provavelmente seria o mais apropriado. Isso precisaria ser feito com tato e discrição. A minha intenção nunca foi a de parecer rude ou mal-educado. A senhora minha mãe jamais me perdoaria se eu demonstrasse comportamento agressivo com quem estava tentando ser meu hóspede.

Antes de resolver o impasse, pensei em fotografar a joaninha, talvez uma selfie de recordação para a posteridade. Em seguida, faria uma postagem no Instagram ou no Facebook. Foi um pensamento insensato e que se esvaiu rapidamente. Não existe motivo razoável para tornar pública a intimidade do animal – além disso, sempre há o risco de algum processo judicial por exposição indevida, dano moral ou algo similar. Desisti do intento.  

Poderia perguntar à joaninha se queria algum tipo de ajuda para ir embora. Poderia. Antes que tivesse a chance de fazer o questionamento, percebi que havia algo de errado. Não havia a possibilidade, digamos, de abrir as asas e voar para longe. Alguma coisa estava prendendo-a na cortina. Com a ajuda de uma folha de papel, tentei libertá-la. Depois de algumas tentativas, consegui.

Infelizmente aquele ser de corpo esférico, que não era maior do que um centímetro, caiu atrás do sofá. Ninguém me condenaria se tivesse pronunciado algum palavrão, efeito sonoro adequado à ocasião. Controlei o temperamento, arrastei o sofá e fui procurar por quem estava, momentaneamente, desaparecido. De forma apressada, ao ver o que o bicho estava imóvel, pensei que teria que levá-lo ao hospital veterinário, talvez tivesse quebrado uma perna ou deslocado uma asa. É difícil imaginar que tipo de traumatismo uma queda de menos de um metro pode causar nesse tipo de animal. Felizmente, não era nada grave (imagino). Depois de alguns segundos, aquela carapaça vermelha com pintas negras se moveu na direção da parede.

Consegui colocar a visita em cima da folha de papel e a levei até a janela. Depositei o corpo frágil (para os meus padrões) no parapeito. Fechei a janela e as cortinas e fui tomar banho. Hoje pela manhã, quando acordei, não havia mais sinal de sua presença. Pode ter sido levada pelo vento ou então se reunido com outras joaninhas, resido em uma região propícia para que as Coccinellidae construam moradia.

Sei lá, pode parecer ingenuidade ou romantismo, mas foi bom ver que a vida continua pulsando ao meu redor. E que, por isso, eu também precisei me movimentar.

 

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