Conforme consta no Boletim de Ocorrência, registrado na delegacia de polícia de Rio das Caveiras, Adalberto Medeiros Silva e Souza, conhecido como Betão da Penha, e sua companheira, Sônia Maria de Almeida, vulgo Soninha Alicate, decidiram celebrar o carnaval nas proximidades do Capão dos Brutos, cerca de 10 km da sede do município.
No momento de maior euforia (Allah-la-ô, ô-ô-ô, ô-ô-ô / Mas que calor, ô-ô-ô, ô-ô-ô) perceberam um som distante. Em poucos minutos o barulho foi ficando mais alto e mais próximo. Essa algaravia destruiu o clima romântico do encontro e, para bem de todos e felicidade geral da nação, o casal resolveu fazer um intervalo nas folias de Momo.
Tudo que está ruim se transforma em desastre – é o que diz a sabedoria popular.
Além de qualquer explicação racional, uma procissão religiosa estava se aproximando. Alguns dos devotos de Nossa Senhora dos Prazeres resolveram marchar pelos campos como uma forma de expiar os pecados do mundo. Numa época do ano em que a esbórnia, a devassidão e o pecado costumam corromper as almas fracas, cabia aos que possuem fé se afastar das tentações da carne e alimentar a existência humana com bons sentimentos, louvores ao Senhor e muita penitência.
Betão e Soninha, que estavam em trajes de Adão e Eva, por força das circunstâncias, precisaram, rapidamente, vestir outra fantasia carnavalesca: a de cidadãos respeitáveis, pagadores de impostos e tementes a Deus.
Na frente do séquito, junto com o Padre Janjão Silvestre, com o terço em uma das mãos e a bíblia na outra, estavam algumas das mulheres mais assíduas das atividades paroquiais. A mais entusiasmada era Bernadete Avelar, a Déte Fofoca, que não economizava energia ao cantar os hinos religiosos. Com os olhos em êxtase, deslumbramento e enlevo, parecia estar prestes a alugar um lugar no céu, ou, se assim fossem os desígnios divinos, no limbo celestial.
Foi constrangedor ver aqueles dois sem-vergonhas, fazendo coisas indecentes ao ar livre, e eles nem são casados, disse a depoente, quando lhe foi perguntado o porquê de tamanha fúria. Diante de tanto descalabro, alguém precisava fazer alguma coisa, o senhor não concorda?, perguntou a ilustre Filha de Maria ao delegado.
Calado estava, calado ficou o diligente defensor da ordem e da segurança pública. Mas, fez sinal para que o escrivão deixasse entrar outra testemunha. Depois de oferecer uma xícara de café para o padre, a autoridade ouviu atentamente o relato sobre os acontecimentos subsequentes.
Quando o círio se aproximou do casal, os encontrou comportados, porém assustados. Indagados sobre o que estavam fazendo ali, responderam que estavam procurando por um lugar onde pudessem encontrar um pouco de paz, onde os sentimentos mais sublimes não fossem interrompidos pelo barulho da cidade ou das coisas mundanas. Também declararam que estavam em um retiro espiritual.
Obviamente, esse lero-lero não convenceu ninguém. E, pior, irritou Déte Fofoca – que, depois de colher um pouco de urtiga, aroeira-brava e coroa-de-cristo, se aproximou do casal e fez um discurso sobre a devassidão que estava corroendo os valores mais notáveis da tradicional família brasileira. Não satisfeita, esfregou os ramos das plantas nos rostos do casal de depravados.
Entre gritos de dor e palavras que não devem ser pronunciadas na frente de crianças, o caso, obviamente, teve o seu desfecho no pronto-socorro e, logo depois, na delegacia. Déte Fofoca, acusada de agressão por motivo fútil, disse ao delegado que sabia que tinha errado, mas que, como defensora da fé cristã, não podia deixar de se sentir indignada com a ruptura dos valores que considerava importantes. E reiterou, entre suspiros e lágrimas, que se confessava toda semana e que, ao contrario de uns e outros, tinha Jesus no coração. Finalizou o seu depoimento perguntando: o que será da educação dos nossos filhos se não for possível protegê-los da promiscuidade?
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