Meio da tarde. Ele estava indo
resolver um problema familiar no subúrbio. Foi de ônibus. Poderia ter ido de
táxi ou de uber. Mas − como convém aos bons moços, aqueles que se preocupam com
o meio ambiente e com o planeta −, preferiu o transporte coletivo. Depois de
ter sido extorquido pelo cobrador, encontrou um lugar vazio. Logo depois,
sentaram ao seu lado uma mulher e um menino. No colo da mãe (ele imaginou que
fosse), a criança manipulava um boneco semelhante a um "transformer".
Rapidamente, ele se desligou do mundo objetivo. Esqueceu a falta de conforto e
o "tleque, tleque" irritante do brinquedo.
Enquanto as ruas estavam sendo
engolidas pela velocidade, olhou pela janela. Foi dessa maneira que percebeu
que a cidade está em transformação. Dois anos antes (a última vez que havia
feito aquele passeio), as casas dominavam a paisagem. Agora, se tornaram
minoria. Envoltos em nuvens de poeira e barulho ensurdecedor, os prédios em
construção estão verticalizando a geografia urbana.
O ônibus parou diversas vezes.
Passageiros entraram e saíram. Todos pareciam estar com pressa. Em um dos
pontos, uma senhora teve dificuldades para pagar a passagem. Como ele sempre
foi incapaz de calcular a idade dos outros, concluiu que ela deveria ter uns,
sei lá, 55 anos. Com uma elegância peculiar, estava usando um vestido floral
(ligeiramente desbotado pelo uso) que provavelmente não faria sucesso em alguma
Fashion Week. As suas mãos estavam ocupadas. A mão direita carregava diversas
sacolas. Se houvesse algum shopping naquela região, seria fácil especular sobre
o que ela estava carregando. Não havia. Mistério.
Na mão esquerda da senhora,
sorvete. Daqueles de casquinha. Enquanto o ônibus acelerava e freava na luta
contra as loucuras do trânsito, ela se equilibrava. Parecia artista circense,
tantos foram os truques que usou para se manter em pé. Seu maior problema
estava em ultrapassar a catraca. Um solavanco mais intenso sacudiu o ônibus. A
mão que segurava o sorvete construiu uma parábola no ar. Ele, que estava
olhando para a cena com curiosidade, imaginou algum desastre. Nada de
excepcional aconteceu. A mulher, finalmente, conseguiu ultrapassar a barreira –
que fez um ruído metálico. Segurando firmemente as sacolas e o sorvete, avançou
para o meio do ônibus.
Ele pensou em se levantar e
oferecer o lugar. Não teve tempo para unir pensamento e ação. Alguém foi mais
rápido. Em um segundo a mulher estava sentada, devorando alegremente o sorvete.
Algum tempo depois, ele precisou
desembarcar. Enquanto o ônibus se perdia na distância, ele foi tratar de seus
interesses e − quem sabe? − encontrar outros flagrantes da vida.
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