Domingo,
seis e meia da manhã. No melhor do sono, ele sentiu uma mão batendo no ombro.
Simultaneamente, como se fosse o sinal do armagedon, uma voz insistente:
–
Pai, você já acordou? Eu já acordei!
–
Ah, filho, quero dormir mais um pouquinho, por favor!
Sem esperar pela resposta, o homem virou o corpo para o outro lado, procurando por uma posição melhor. Por um instante, aquela fração de segundo que separa a felicidade do horror, pensou em abraçar o corpo da esposa. Como em todo pesadelo, isso era impossível. Ao seu lado, naquele momento, só existia o vazio e a ausência. Mas isso não era o pior. O menino o estava convidando a abrir os olhos e encarar as crueldades da vida.
–
Paiêêêê, já é dia!!! Você precisa levantar!
– Tá!
– Paiê-ê-ê-ê, já é dia!! Tô cum fomi!!!
Armado
de toda paciência que conseguiu reunir, ele contou até três mil. Depois,
compreendeu a triste sina: sua majestade, “a rainha do lar”, estava em viagem.
O palácio, o cetro e o príncipe herdeiro (das dívidas e das dúvidas familiares)
tinham ficado sobre a responsabilidade do bobo da corte. Ou seja, ele. Então,
só restava relaxar e..., sei lá, não permitir que o circo pegasse fogo – pelo
menos até a volta da ilustre consorte (sim, porque naquele instante não havia a
menor dúvida de quem era o “com azar”). A “megera”, antes de ganhar a estrada e
o bem-bom, o havia atormentado com mil recomendações, uma lista de cuidados com
o filho, verdadeiro massacre em forma de ternura. Só de pensar nisso, e nos
incômodos que teria se acontecesse alguma coisa com o menino, ele entrou em
estado de pânico.
–
Pai, tô cum fomi!
Dizendo
adeus às ilusões, ele abriu os olhos. Em seguida, quase fulminou o menino com uma
paternal dose dupla de rancor. Desistiu no meio do caminho e, da forma mais
teatral possível, arriscou a última cartada:
–
Você não quer deitar um pouquinho com o pai?
O
rapazinho, apesar da pouca idade, não caiu no velho truque do seu “velho” e
reagiu em grande estilo; ou seja, gritando:
–
Tô cum fomi!!
Naquele
momento, precisando manter o controle e a razão, ciente de que nada mais
restava senão amaldiçoar a humanidade (em geral) e a esposa (em particular),
ele capitulou:
–
Tá certo, filho. Já vou levantar.
Sem
saber direito o que fazer, armado de coragem, muita coragem, vestiu uma
camiseta e uma bermuda. Entre o quarto e o corredor, milhões de bocejos – uns
cinco ou seis. Na cozinha, como se fosse um zumbi, não conseguiu encontrar o
material básico para poder calar o menino. Sem ter a mínima ideia de onde
estava “escondida” a mamadeira, abriu e fechou todos os armários – diversas
vezes! Desolado, sentou na cadeira mais próxima e, depois de mais alguns
bocejos, disse:
–
Meu filho, estamos em apuros!
O
menino, sem entender o que isso significava, se aproximou e beijou o rosto do
pai. Foi a gota d’água. Então, aquele pirralho, que outro dia fora retirado,
pela violência de uma cesariana, da barriga de sua mãe (uma bola de carne roxa,
pingando sangue), desprezava as trapalhadas de seu pai e, na maior ousadia, com
um simples beijo, transformava em amor todas as tempestades da vida?
Com
o orgulho de um atleta que cruza a linha de chegada em primeiro lugar, o pai
abraçou o menino. Ficaram unidos uma eternidade (uns dois minutos). Logo
depois, ele se levantou, abriu geladeira e, surpresa!, encontrou o leite. Em
cima da mesa estavam o achocolatado e a mamadeira. As outras operações (pura
alquimia!) foram realizadas no automático. Era como se estivesse pisando em
nuvens – e estava!
O
resto do dia foi ótimo, apesar do almoço desajeitado em uma churrascaria, do
sorvete que melou todo o hemisfério sul, do dinheiro gasto com figurinhas, do
passeio no parque, das brigas esporádicas e do afeto explícito.
Estavam
construindo uma educação sentimental muito particular, cheia de cumplicidades.
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