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domingo, 23 de julho de 2023

LUA DE SANGUE / SOMBRAS DO SOL

 


N(ora) K(eita) Jemisin, vencedora dos prêmios Hugo (2016, 2017, 2018, 2020), Nebula (2017) e Locus (2017), escreve ficção especulativa. Ou seja, consegue unir fantasia, ficção científica e terror. Esse hibridismo de acontecimentos fictícios em um determinado contexto histórico – mas que nunca aconteceram – flerta com o "e se....". Em outras palavras, os fatos narrativos refletem eventos que poderiam ter acontecido ou, em circunstâncias especiais, podem acontecer. Robert Anson Heinlein (1907 – 1988), Philip K(indred) Dick (1928 – 1982) e Margaret Eleanor Atwood (n. 1939) são alguns dos expoentes desse gênero literário.

No Brasil, os livros mais conhecidos de Jemisin são Nós Somos a Cidade (Suma das Letras, 2021) e a trilogia apocalíptica A Terra Partida, composta por A Quinta Estação, O Portão do Obelisco e O Céu de Pedra, todos publicados pela Editora Morro Branco em 2017, 2018 e 2019, respectivamente.

Recentemente, a Morro Branco publicou a série Dreamblood, composta por dois volumes: Lua de Sangue (2022) e Sombras do Sol (2023). São livros com capa dura, projeto gráfico e papel de qualidade.

Um resumo básico do enredo dos dois livros (que podem ser lidos isoladamente) precisa contextualizar a cidade-estado Gujaareh, que está localizada na foz do rio Sangue da Deusa e ao longo do Mar da Glória, próxima de Mil Vazios, uma região desértica, e está cercada por tribos pouco amistosas (que só se unem quando estão em guerra contra um inimigo comum). É nesse espaço geográfico que a narrativa está situada.

(Qualquer associação com a série Duna, seja pelo deserto, seja pelos povos bárbaros, não deve ser desprezada, inclusive porque existem muitos pontos de contato entre as duas propostas: sistema político autoritário, intrigas palacianas, mundo feudal, cenários áridos, poderes extraordinários, questões sexuais, armamentos rudimentares, etc.)

Nos dois livros de Jemisin os protagonistas fazem parte de uma seita religiosa (centralizada em Hetawa, o templo da deusa Hananja) que usa a magia, a narcomancia, a fitoterapia e a cirurgia para salvar vidas, curar ferimentos e fornecer alivio espiritual. Os princípios básicos que regem o grupo são o controle da paz e o cumprimento das leis – objetivos impossíveis de serem alcançados em uma sociedade guerreira. Os religiosos se dividem em Professores, Coletores, Compartilhadores e Sentinelas, além de Aprendizes e Acólitos – cada um com tarefas específicas e que, em conjunto, constituem o cerne da organização. Como o imprevisível faz parte do enredo, além dos inimigos naturais (a ambição, a soberba, a corrupção, a ira, a luxúria) completam o enredo os Ceifadores e a Sonhadora Desvairada – forças da destruição e da morte.

A forma com que os dois livros estão ligados com o mundo onírico impressiona, porque contrapõem o sono e o sonho com o acordar (que nunca significa apenas o despertar). O desvelamento do mundo das sombras, das coisas que são encobertas pelo tempo em que o corpo está descansando, muitas vezes servem para iluminar o caminho da vida e permitir que se encontrem soluções para aquilo que parecia não fazer parte do problema.   

Enquanto em Lua de Sangue” o Coletor Ehiru e seu aprendiz, Nijiri, se envolvem em complicações políticas e precisam fugir de Gujaareh, Sombras do Sol relata a retomada da cidade, que foi invadida pelo Protetorado Kisuati. A formação de um exército no oásis Merik-ren-aferu e os dilemas que acompanham esse processo constituem a espinha dorsal do segundo volume, que também conta com uma ameaça mortal ligada ao sono e que ameaça matar milhares de pessoas em Gujaareh.

Entre um volume e outro, acontecem muitas reviravoltas (plot twist), questões políticas, envolvimentos amorosos, violência física e mental e, não menos importante, o desmitificar da potência masculina (principalmente no volume dois).

Mais do que excelente entretenimento, os dois livros propõem uma série de questões filosóficas – que dialogam com a história da humanidade e com o comportamento (nem sempre exemplar) dos humanos.


N. K. Jemesin


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